Neste maluco ano de 2020, presenciamos muitas manifestações paradoxais. Uma delas foi ver Caetano Veloso nas redes sociais pijamoso e chinelo. Irritava-me ouvir às cobranças para que ele fizesse uma live. Ele negando e eu pensando: deixa Caetano quieto, ele não irá fazer qualquer coisa.
Li, também, comentários de pessoas brincando, identificando e justificando certa paralisia de produção. O argumento era: se até Caetano…
E ele, após meses de falsa improdutividade, nos presenteia com o primor – Live de Caetano de Natal. Apresentação somente com voz e violão (não precisa de mais), tendo participação dos seus três filhos – Moreno, Tom e Zeca. Grandes momentos de leveza e delicadeza de Caê. Um pai, avô, compositor “a la Freud”, explico.
O cantor, empurrando o carrinho de seu neto bebê num passeio diário, observa que no embalo e movimento, ele também produz um som de acalanto e adormece escutando sua própria voz. Inspiração para nova composição “Auto Acalanto de Benjamim”¹. Busquei a letra da música e achei outra preciosidade – Acalanto. Coloco ambas no final da crônica.
Freud, criador da psicanálise, avô igualmente observando seu neto, também fez importante descoberta enquanto a criança empurrava para longe e depois trazia para si um carretel. O cientista percebeu que na brincadeira a criança reproduzia a presença e ausência da mãe.
Voltando a live que foi um acalanto, uma brisa nesse momento onde o real da mortalidade insiste e continua nos assombrando.
Com Caetano sonhamos que “somos filhos de Papai Noel” ou será que somos crias de suas músicas, de sua inspiração?
Ele relata que seu natal “era na areia da praia, era folha de pintangueira, cheiro de pitanga”. Hoje vi um pé de pitanga nas minhas andanças. Estava na rua e carregada de frutos, alguns no chão. Passei olhando, observando a beleza da cor e forma. Agora, impossível passar por uma e não pensar em Caetano.
O artista conta também que tinha um presépio, e que nele, o mundo. Fala que me remeteu a outra, de uma mulher do sertão. Quando perguntaram a ela o que era maior “o Mundo ou o sertão?” A resposta foi: o sertão. Assim foi o presépio de Caê:” tinha tudo”.
Assim são os artistas, se fazem na delicadeza e muitos não precisam de aparatos para se fazerem presentes nas nossas vidas. Somente são! Nada de perfeição, nada de rebuscamento, são!
Ele é Caetano e nos deixa esse presente de Natal.
Acalanto
Dorme que eu vou te embalar
No meu colo quente
Como a lua embala o mar
E a maré embala a gente
Dorme que eu vou te velar
Pela noite quieta
Como a chama do luar
Vela o sono dos poetas
Dorme que eu vou te ninar
No teu canto de criança
Como sempre ouvi meu pai cantar
Um acalanto de esperança.
Vamos esperançar na ação e responsabilidade.
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