A violência contra a mulher é um tema espinhoso que, à primeira vista, remete às páginas policiais de tablóides. Em nosso imaginário, ela está quase sempre associada à agressão física. E é algo que, invariavelmente, toda família brasileira já conheceu em algum momento.
O que os tempos atuais vêm descortinando de forma cada vez mais intensa são as outras facetas deste problema. São as suas versões “light”, “glúten free” e “gordura zero”, que acabam sendo bem parecidas com a “original”, a não ser por algumas variações sutis. Carreiam as mesmas intenções humilhantes, agressivas e discriminatórias. Servem para diminuir e intimidar, tal como o nocaute de um soco. São as brincadeiras pejorativas, os xingamentos, os estigmas de “burra” e de menos qualificada, a famosa e onipresente alcunha de “louca”. São todos os ideários negativos socialmente atribuídos ao gênero feminino, que vão da fraqueza física ao descontrole emocional, da instabilidade hormonal ao suposto direito do escrutínio público sobre sua aparência física.
Recentemente, o caldeirão da violência disseminada vem entornando o seu caldo porque não é mais possível disfarçá-la, uma vez que, dia após dia, há cada vez mais mulheres atentas. O que os homens inventaram (a internet?) teve o efeito colateral de nos trazer informação, acesso, aliança. E assim, amadureceu-se uma rede em que diversas mulheres compartilham suas histórias e questionam as condições sociais a que são submetidas. Seja através de movimentos como o “Me Too” (no Brasil, também chamado de “Meu Primeiro Assédio”), seja através de lutas em diversos setores por equiparação salarial ou mesmo pela ascensão do movimento feminista negro. Há um número crescente de mulheres conscientes de seus direitos e despertas em busca de ocuparem o próprio lugar no mundo.
Vimos há poucos dias uma apresentadora de TV brasileira vir a público contar que seu casamento aparentemente perfeito, que também servia como um “produto” associado a sua imagem, era uma união permeada por ofensas, pressões psicológicas e deslealdade. Ela ficou mais de vinte anos ao lado do marido, questionam alguns. O fato é que a saturação dos nervos se soma ao aumento do entendimento. E isso torna impossível que se mantenha o status quo há até pouco tempo firmado. E quantas outras uniões também não são assim?
A misoginia está entranhada em nossa cultura desde o início dos tempos e, grosso modo, resulta basicamente de um fato anatômico (Bourdieu, 1999). Apoia-se na circunstância do homem estar mais à vista socialmente, incumbido da luta pela sobrevivência, enquanto a mulher atém-se à função reprodutiva e, portanto, doméstica, e do cuidado com as crias (Beauvoir, 1949). Apesar de certos progressos adaptativos, tal divisão permanece até hoje, embora os anos de relegação feminina ao segundo plano possam ser repensados por base em quase toda a filosofia ocidental contemporânea.
É importante sabermos que violência não é sinônimo de olho roxo. Violência é um ideário discriminatório sutil, evidente, cultural, familiar, naturalizado e íntimo. É algo que precisa ser combatido, ainda que não se queime necessariamente nenhum sutiã para isso. Todas padecemos dela. É preciso identificá-la com atenção e não mais permitir sua perpetuação tal como em um mundo na idade da pedra.
Ref:
1. BOURDIEU, Pierre (1930-2002). A Dominação Masculina. Trad. Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
2. BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. A experiência vivida (Vol. 2). 2.ed. São. Paulo: Difusão Européia do Livro, 1967.
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