Desde que surgiu como especialidade no final do século XVIII até os dias de hoje, a área da assistência em saúde mental foi estigmatizada. Psicólogos e psiquiatras eram considerados os profissionais que atendiam exclusivamente aos “fracos da cabeça”. Duas décadas atrás, ainda era comum ouvirem-se frases como: “psiquiatra é para gente doida” ou “psicólogo ‘vira’ a mente das pessoas”. O fato de alguém procurar ajuda para tratar dores psicológicas frequentemente era ocultado até dos amigos próximos e considerado uma atitude tabu. Ter depressão era motivo de vergonha.

Não sei bem se por ironia ou se por amor, o mundo mudou loucamente nos últimos anos. O advento da internet, a globalização, as inovações tecnológicas, a pandemia de Covid-19 e o aquecimento global incipiente, tudo isso resultou em um cozimento inexorável dos nossos miolos.

Estamos todos precisando de uma ajuda, seja para compreendermos as mudanças, seja para nos adaptarmos a elas e, principalmente, para uma revisão de nossos valores. O ambiente dinâmico em que vivemos refletiu-se também em comportamentos e passou-se a se questionar paradigmas intactos há até pouco tempo. Os valores religiosos perderam sua hegemonia e a liquidez das relações interpessoais ganhou campo, as quais, segundo Bauman, foram mercantilizadas e tornaram-se produtos que se usam enquanto são úteis. Enfim, muita doideira.

Neste caso, é bastante lógico que, diante de dores, dúvidas e conflitos que se passam em nossa mente, busquemos recursos que possam apaziguá-los. Dentre estes, talvez o mais científico deles seja a assistência dos profissionais de saúde mental. Psicólogos e psiquiatras capacitados para o dom da observação e da escuta podem identificar os focos de sofrimento de seus pacientes e propor terapias. Não é nada tão desatinado assim. Uma vez bem tratados, há um enorme ganho em qualidade de vida e, muitas vezes, a preservação da própria vida.

Pouco a pouco, percebe-se uma maior abertura das pessoas a essa possibilidade e espera-se que, um dia, ir ao psiquiatra seja tão corriqueiro quanto ir ao dentista. Que seja considerado um cuidado básico com as emoções e pensamentos para que se possa suportar a existência e enfrentar seus desafios, os quais são inerentes a todos.

Ao contrário do que se pensava, não são só os loucos que perecem de maluquices internas. O imperativo da felicidade fomentado pelo consumismo – de coisas, situações e pessoas – é uma verdadeira insanidade dos nossos tempos. No entanto, estar triste e angustiado por vezes é um pré-requisito imprescindível para, em outros momentos, sentir-se a felicidade.

Virar a mente frequentemente é necessário – sobretudo quando o mundo vira a cada minuto – e quem é forte da cabeça geralmente tratou dela com bons profissionais. Que caia esse estigma e a vergonha de sofrer e buscar ajuda.

1. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.

Tais Civitarese

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  • Que texto maravilhoso, professora! Adorei a clareza, adorei ver o Bauman e adorei toda a assertividade aqui encontrada!

    Torço também para que um dia os tabus caiam e as pessoas (se) aceitem mais!

    Saudades, seguirei de olho!
    Danilo

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Tais Civitarese

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