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Eu morri?

Peter Rossi

 

Dias atrás, conversando com amigos, me lembrei do ocorrido e achei importante deixar registrado o episódio, muito importante em minha vida. Eu, menino de todo, com sete pra oito anos de idade, em uma cidade do interior, que não oferecia perigo algum

No Natal anterior ganhei de presente minha primeira (e única) bicicleta. A outra que tive foi herdada de meu irmão. A primeira era sensacional, uma Monark Olé 70, de cor azul. Tinha o quadro em diagonal descendente, afinal era própria para garotos da minha idade.

Me lembro que em cada extremidade do guidão tinha um punho de plástico branco, de onde saíam pequenas fitas coloridas, também de plástico. Com minha magrela rodava a cidade toda, ia prá cima e prá baixo, brincando o dia inteiro.

Na minha cidade, naqueles tempos, tudo girava em torno da grande mineradora, cujos donos eram ingleses. Houve uma verdadeira invasão de europeus. Existia a escola inglesa, o clube dos ingleses, a igreja dos ingleses, o hospital e também o cemitério dos ingleses. Tudo isso ainda existe, embora alguns em desuso e com outras denominações.

As ruas, em sua maioria, levavam o nome de personalidades nascidas da Inglaterra. Tinha o beco Scott e outros cujo nome não me lembro mais. Enfim, tudo respirava e conspirava com os ingleses. Os amiguinhos: Andrew, Michael, David, John e por ai vai.

Meu avô trabalhara na mineradora e sua descendência era igualmente britânica. Seu nome: Peter Rossi. Fui batizado em sua homenagem, mesmo tendo nascido quatro anos após a sua morte. Era motivo de imenso orgulho da vó Nazinha, a viúva, por quem era apaixonado e cuidava de mim com carinho excessivo.

Naquela época as crianças brincavam mais e ainda sobrava tempo para deitar-se nos colos das avós e das mães. O dia durava muito tempo, ao contrário de hoje, em que os minutos são sorvidos, engolidos pelos celulares, privando a convivência.

Logo após fazer o dever da escola, vestia um calção, uma camiseta, colocava o kichute e saía de bicicleta, cidade afora. Existiam muitas estradinhas de terra batida o que nos permitia deliciar com a poeira, estimulando nosso espírito aventureiro. Falo de um tempo em nós erámos os nossos heróis! Acreditávamos na nossa força e nos sonhos que sonhávamos e, com essa simples receita, erámos felizes demais!

Menino que, por conveniência, às vezes se achava menino, mas que no fundo era gladiador, bombeiro, soldado e até príncipe. Não tínhamos medo porque acreditávamos nas coisas desenhadas pela nossa imaginação.

Assim, desbravávamos castelos imaginários, invadíamos cidades de faroeste abandonadas.

Numa dessa, fui parar no cemitério dos ingleses, por sinal um lugar muito bonito, no alto de um morro, com muito verde à volta. Fiquei ali boa parte da tarde, lendo cada uma das lápides e vendo se algum sobrenome era conhecido. Via, também, vários túmulos com colunas quebradas. Não conseguia entender, àquela época, que eram símbolos da maçonaria, mas achava esquisito que todas as colunas eram do mesmo jeito. Como será que quebraram da mesma forma? Pensava eu.

Existiam túmulos mais simples e outros muito sofisticados, até com uma capela em seu entorno. Passeava por entre as ruelinhas do cemitério, até que me deparei com uma lápide em que conseguia ler “Rossi”. O primeiro nome estava oculto pelos ramos de uma folhagem. Tomei coragem e com um pedaço de pau, afastei a planta, o que me permitiu ver a placa por inteiro – “Peter Rossi”!

Quase morri de susto e peguei, mais que depressa, a bicicleta e voei para a casa. Cheguei com o dia ainda claro e entrei pela cozinha de rompante. Minha mãe fazia pão e só teve tempo de ver meus olhos assustados e as bochechas vermelhas, emolduradas por gotas de suor.

Não dei tempo à minha mãe para perguntar alguma coisa. Com o coração disparado, não só pela correria, mas também pelo susto, fui logo perguntando, aos berros:

– Mãe, eu morri?

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