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Só há um lado na guerra

 

Daniela Mata Machado

@danielamatamachado

 

“O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso.” (Ariano Suassuna)

 

Relendo os textos que escrevi para este blog naquele estranhíssimo ano de 2020, percebo que sempre fiz jus à alcunha de Pollyanna, pela qual um ex-namorado gostava de me chamar. Embora muitas vezes melancólica – deve ser a Lua em Capricórnio –, sempre fui uma otimista incorrigível. Naquele ano em que um vírus nos trancou dentro de casa e nos obrigou a conviver com tudo que, de outro modo, passaríamos a uma vida inteira sem precisar encarar, eu acreditei que, de alguma maneira, nos perceberíamos mais interligados, mais parte do mesmo universo, mais responsáveis pelo impacto que causamos na vida do outro e mais conscientes de que não é possível escolher um lado na guerra… porque a guerra aniquila, igualmente, todos os lados.

Hoje vejo que a sabedoria de Ariano Suassuna, a quem eu tive a honra e o prazer de conhecer durante uma longínqua edição da Festa Literária de Paraty, era certeira: os otimistas, como eu, são realmente uns tolos. O vírus, hoje contido, ceifou milhões de vidas e nós, os sobreviventes, não nos permitimos rever todos os pontos cegos do nosso modo de vida bélico e individualista. Perdemos, individual e coletivamente, uma oportunidade única de entendermos um conceito sul-africano chamado Ubuntu.

“Ao contrário do homem branco, o africano quer o universo como um todo orgânico que tende à harmonia e no qual as partes individuais existem somente como aspectos da unidade universal.” (John Mbiti)

No microcosmo das redes sociais, brasileiros escolhem um lado em uma guerra travada na Faixa de Gaza. Sentados em suas cadeiras acolchoadas, decidem qual deve ser a etnia das mulheres e crianças a serem atingidas por bombas ou feitas reféns por torturadores.

Sim, eu fui uma tola otimista que chegou a acreditar que a rede mundial de computadores nos tornaria mais conscientes da ausência de fronteiras entre os territórios e as pessoas que, ao fim e ao cabo, são todas feitas das mesmas carnes e do mesmo sofrimento. Mas é na própria rede que me deparo com o depoimento de uma mãe, pedindo ajuda a outras mães porque não sabe como lidar com a exaustão de cuidar sozinha das suas crianças pequenas, seguida por uma enxurrada de depoimentos de outras mulheres dizendo coisas como “a adulta é você”, “foi você quem quis ter filhos e agora quer responsabilizar as crianças pela sua amargura” e até a seguinte pérola: “Você deveria ter uma rede de apoio! Por que não cuidou disso antes?”.

Nós não aprendemos nada. Rede de apoio é coletiva. Não sou eu que providencio a minha e você a sua. Não aprendemos nada porque, diferentemente do que a tola otimista aqui cismou de acreditar em 2020, o aprendizado não vem de nenhum acontecimento externo. Diferentemente do que o cristianismo parecia querer me dizer, o sofrimento não ensina nada. Nós só aprendemos quando queremos aprender. Quando nos esforçamos para aprender. Quando entendemos que o aprendizado é urgente. Nós só entendemos que o outro é feito da mesma matéria que a gente quando nos esforçamos muito para olhar o mundo sob a perspectiva dele. Se a gente não consegue fazer isso, empatia vira só mais uma palavra tóxica que a gente segue usando para julgar aqueles que sentem dores um pouco diferentes das nossas e, até por isso, talvez ajam de modos que não são os nossos.

Tudo isso posto, eu hoje concordo com Ariano que os otimistas são mesmo uns tolos. Mas acho que o mestre estava ainda mais certo quando afirmou que os pessimistas são uns chatos. E faço a ressalva de que tudo o que disse sobre nós como humanidade obviamente me inclui. Eu também aprendi muito pouco com tudo o que coletiva e individualmente vivemos. Mas sigo tentando aprender. Porque quero aprender. E porque, doravante, abro mão do otimismo em nome do realismo. De um realismo esperançoso.

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