Refugiados. A guerra na Ucrânia traz de volta o tema. Tão lindo ver que mais de um milhão de pessoas são bem recebidas em nações vizinhas.
Nesse momento de dor, as pessoas abrem os braços e dobram os joelhos, numa ginástica a abrigar aqueles que nunca viram.
As coisas acontecem assim, o caos empurra todos para o mesmo lado e ainda que se atropelando, se aquecem e se guiam.
Na aridez da guerra as histórias são escritas com a poeira dos sonhos que se perderam. Qual a razão disso? A que ponto conseguimos contextualizar e justificar a barbaridade?
O ódio incontido cega as sugestões e raciocínios e passado um tempo, os homens se esquecem da razão pela qual estão a lutar. A luta vira um fim em si mesma. Um verdadeiro fim e é nessas que os homens se perdem, sem perceber como tudo começou.
Mas essa comoção nos induz também a refletir, sem que esse pensar desvirtue o desprezo que devemos sentir por tudo que está acontecendo.
Acabamos, numa introspecção a perceber que também temos nossos refugiados, aqueles a quem devemos acolher. E as pessoas que passaram por nossas vidas? E as que não mais temos contatos. Não é hora de trazê-los de volta? Os refugiados de nossa inquietude, de nosso desprezo, de nossa ignorância?
Nosso passado se refugiou….
Na inconsistência do improviso, acabamos por perder a orientação em muitos momentos, e em razão disso algumas pessoas caem dos nossos bolsos e simplesmente ficam pelo caminho.
As relações, hoje em dia, são meros esquetes. Pouco tempo a realizar dada a urgência do novo e o desprezo em relação àquilo ao qual já estamos acostumados.
Razões escritas a lápis, que o tempo encarrega de desmanchar com a borracha da poeira. Não existem mais raízes, as situações são simplesmente sobrepostas, sem mínimo alicerce. É mais fácil viver assim, pensam alguns, somos verdadeiros nômades nos sentimentos, a caminhar por desertos gigantescos.
Perdemos a oportunidade de abrigar nossos refugiados e nos postamos como tal para tantos outros. Não existem portos abertos e estações de trem em funcionamento. Nos perdemos, simplesmente.
Pensando bem, acabamos provando do próprio veneno: somos refugiados de nós mesmos. Não nos reconhecemos mais e partimos pro escárnio em relação ao que já fizemos um dia. Rimos de nós com lágrimas a borrar a maquiagem, transformando o rímel da idade em uma dantesca cachoeira a rolar em nosso rosto, transformando-nos em zumbis do que um dia fomos. Sofríveis avatares.
Ridículos e insensatos, desprezamos a nossa própria história e teimamos em viver tempos de intensa surpresa, pura e simplesmente. O tempo pelo tempo em si. Que perda de tempo! Nossa pele está tatuada com nosso passado, e dele recolhemos as nossas maiores virtudes, dentre elas a experiência e o aprendizado. Moldes indeléveis a nos permitir alcançar nossa própria essência. E essa, havemos de concordar, é única e inderrogável.
Nosso refúgio é a nossa história, nossa vida. Não podemos fugir dela, ao contrário, devemos celebrar diariamente a sua chegada nas praias da nossa alma, os refugiados mais esperados. Nós, ao nosso encontro, abrigando nossos sonhos, aquecendo nossos corações que, apesar das guerras insensatas, ainda batem ritmados e felizes. Que seja sempre assim.
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Excelente texto . Reflexivo , psicanalítico até …. Trata - se de realidade no comportamento das pessoas , que não paramos para analisar ,é que acontece meso , é que é sempre tempo de resgatar , caso achemos que valha a pena .Ave Peter .!