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O Apito

Peter Rossi

 

Minha terra tinha características peculiares como acredito que todas as terras têm, de uma forma ou de outra.

Uma, em particular, sempre me chamou a atenção. Existia um apito que era ouvido em todos os lugares, e tocava sempre nas mesmas horas, todos os dias.

Me recordo que tocava às 11h45 e às 16h00 e 18h00.

Na adolescência entendi que era ele utilizado para marcar a mudança de turnos de trabalho na mineradora que lá existia. Eram milhares de trabalhadores espalhados pela cidade e o apito os avisava a hora em que deveriam chegar ao trabalho.

Desconfio que servia também para avisar o término do turno daqueles que lá estavam, mergulhados no subterrâneo, mas não tenho tanta certeza disso. Não sei se conseguiam escutar, no seio da terra, a centenas de metros de profundidade.

O que tenho certeza é de que o apito marcou a minha vida de menino. A gente não precisava se preocupar com relógio, com as horas, o apito sempre nos avisava.

– Mãe vou brincar!

– Mas volta no apito das quatro horas, meu filho.

Era simples assim. O apito era nosso farol, como marinheiros a buscar o tempo.

E o barulho não era estridente, muito ao contrário, parecia o som de uma flauta doce, só que alto. Um sonoro apito de muitos “uuuuuuusss”.

Ele nos levava de casa e, como timoneiro, nos trazia de volta.

Hoje penso que mais que timoneiro, aquele apito que só soube existir na minha cidade era, na verdade, um bom pastor. Com sua voz, conduzia o seu rebanho de filhos, cuidando de cada um.

Não sei se hoje ainda existe, acho até que não pois a mineradora fechou as portas. Mas ele foi muito importante para a nossa comunidade e sugiro até que seja considerado patrimônio imaterial da cidade.

O som do apito. O rufar dos tambores, o pedido de mãe. Ele era tudo isso num só. Era nosso guia a mostrar o quanto a vida era boa e que às vezes devíamos mesmo despertar daquele sonho.

Meu relógio de som, ainda tenho nos ouvidos o seu gemido. Gemido, não, que representa dor, infelicidade e solidão. Seu sopro incontido, sua música, sua sinfonia.

Me recordo, agora, de uma música de Noel que fala do apito de uma fábrica de tecidos. Uma letra linda e emocionada. Parabéns ao poeta, conseguiu em versos ressignificar aquele som.

Meu apito não era de uma chaminé, era de uma cidade só e ele, ele sim, atendia os gritos tão aflitos da nossa vida de meninos, enfurnados numa terra cercada de serras.

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