Em 2009, Leo e eu nos mudamos para Paris para estudarmos. Leo iria fazer um curso de gastronomia na escola Ferrandi e eu consegui um estágio de neurologia infantil no hospital Kremlin-Bicêtre.
Ao conversar com o chefe do serviço, ele me orientou estagiar nos mesmos termos que os acadêmicos. Eu já era médica, mas não poderia prescrever. Apenas entrevistar, evoluir os pacientes e participar das discussões clínicas (por sorte, já sabia um pouco de francês). Chegando ao meu primeiro dia de estágio, conheci a turma. Eram típicos franceses: pouco calorosos, porém educados.
Entre eles, estava Pauline. Uma garota de estatura baixa, cabelos lisos e loiros na altura do queixo, olhos azuis muito claros, sardinhas e óculos. Pauline era mais receptiva que os demais e ficamos amigas.
Com muita paciência, esclarecia minhas dúvidas de francês e repetia palavras mais lentamente quando eu perguntava. No meu aniversário, me deu uma vela amarela de três pavios com perfume de limão e um bombom com glitter. No dela, lhe dei um brinco de capim dourado e uma caixa de “Sonhos de Valsa”, o que era moda trazer do Brasil na época. Foi ela quem me ensinou as palavras “bague” (anel) e “boucle d’oreille” (brinco). Muitas vezes, almoçávamos juntas. Conversávamos sobre a faculdade e sobre trivialidades da vida. Ela já tinha trabalhado no Mc Donalds para se manter, o que era comum para um estudante de medicina de classe média na França. Achei esse dado curioso e senti inveja já que, aqui, em geral, há uma grande distância entre estas duas circunstâncias de vida.
Sua presença foi fundamental para que me sentisse acolhida e feliz naqueles meses. Sua gentileza me tocou de forma inesquecível e ela foi a responsável por eu responder, quando perguntada sobre a receptividade francesa, que fora sim, gratamente, acolhida. Porque ela estava lá.
Findado o tempo dos estudos e de volta ao Brasil, retornei a Paris algumas vezes e pude reencontrá-la. Jantamos juntas no Robert et Louise. Tomamos cerveja em um bar do Marais. Conversávamos de vez em quando pelo Facebook, na inexistência do contato instantâneo via whatsapp ou instagram.
Um dia, Asma, uma colega em comum, me escreveu dizendo que Pauline havia falecido. Não entendi muito bem. Logo pensei naquela garota gentil de olhos azuis nascida em uma pequena cidade da França. Teria sido uma doença súbita? Um acidente? Asma me contou que ela cometera auto-extermínio após o término de um relacionamento amoroso.
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Em setembro, o Brasil participou da Campanha Setembro Amarelo de prevenção ao suicídio. O maior mote deste movimento é o fim do estigma. É esclarecer que o sofrimento mental pode acometer qualquer pessoa. E que o cuidado da saúde psicológica e emocional deve ser buscado com naturalidade. Da mesma forma que procuramos o dentista quando sentimos dor de dente. O lema de 2023 foi: “Se precisar, peça ajuda!”.
Psiquiatras e psicólogos foram vistos por décadas como destino de loucos e desajustados: esse tempo já passou.
Pauline era uma pessoa maravilhosa. Nunca a esquecerei. Lamento muito que não tenha sido amparada. Que possa ser natural procurar ajuda quando sentirmos necessidade. Que façamos terapia. Que não tenhamos vergonha de sofrer, de cuidar de nossas dores e de não sermos perfeitos diante dos imperativos da vida.
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