Categories: Silvia Ribeiro

Me comeu com os olhos

Silvia Ribeiro

No instante em que eu apreciava a solitude veio o amor.

Surgiu sem nenhuma lapidação e de forma bruta, sem descrenças nas bonitezas da vida, e escrevendo em páginas em branco todos os “agora” que eu procurava.

Trouxe consigo a maciez dos grandes profetas e a sabedoria mansa que só se percebe quando se crê nas aveludadas dimensões divinas.

Sorria feito um menino e me fazia lembrar das estrelas que em cirandas faziam traquinagens na quietude da noite.

Eu senti como se ele quisesse falar do sobrenatural ou apenas procurasse me intuir que estava ali, caso eu precisasse. No entanto ele me deu a medida exata de um sentimento cristalino encostando no meu.

Me fez experenciar as armadilhas do destino, o gosto que deixa razões pra existir, e o êxtase de um rio caudaloso que por vezes já se cansou e está em busca de um dia de paz.

É alguém:

Com a força dos sais perfumados, com a magnitude de um cristal, com o exibicionismo da fumaça de um incenso, e com a alquimia de um banho de ervas do pescoço pra baixo.

Me ensinou todas as preces, todos os mantras, todas as magias, e toda a acústica dos anjos.

Trajando um cavanhaque de gala e prevendo que me transformaria em sua mulher, deixou diante de mim pequenas doses de alegria que se detalhavam todos os dias, e em seu corpo encontrei todas as delícias que eu chamo de amor.

Pensando numa maneira de se expressar saiu de dentro do seu diário e materializou todo o desejo que dormia ao seu lado. E sendo capaz de se transformar num desses personagens de filmes que sobrevivem nas nossas lembranças, permitiu que as palavras alcançassem o meu coração.

Vou dizer as coisas que eu nunca disse:

Cada dia mais quero estar diante das suas curvas dizendo que me quer, de sentir a dança das suas pernas brincando com as minhas, de me demorar dentro do seu abraço, e de me emocionar quando os seus seios cortejam os meus lábios.

Cada dia mais quero ver como os meus cabelos em suas mãos dormem, como a sua lingerie não se distancia dos meus pensamentos, e como a saudade não cessa quando você vai embora.

E depois daquele desabafo parei por um segundo enquanto o silêncio tentava se libertar.

Era uma linguagem que não exigia toques, que não buscava por brevidades, e nem se saciava apenas na carne.

Me comeu com os olhos.

Blogueiro

View Comments

Share
Published by
Blogueiro

Recent Posts

Reta final de um ano difícil

Eduardo de Ávila Não sou de reclamar, ao contrário, procuro sempre – espiritualmente – aprender…

8 horas ago

A chave

Me transportando para um lugar de relações humanas, observo episódios que colocam em dúvida o…

1 dia ago

Quem vem lá?

Qual a expectativa de conquista, ou presentes, para crianças que se empenharam todo o ano,…

2 dias ago

À espera do tempo…

Rosangela Maluf Ela estilhaçou feito vidro. Foi assim, um soco, um murro. O céu desabou…

2 dias ago

O fim do homem

O homem está em baixa. Nunca vi tantas notícias sobre homens fazendo atrocidades. Não bastassem…

4 dias ago

Escrita

Sandra Belchiolina Quarta-feira, manhã, quase tarde, minha crônica já deveria estar pronta para ser publicada…

5 dias ago