A gente se dá a cada direito na vida! Depois de certa idade, meio que fazendo umas contas infelizes do que já passou e a pretensão do ainda por passar, decidimos que a única coisa que importa é ser feliz.
No passado brincamos de carrinho, de bola, de boneca, de polícia e ladrão. Hoje brincamos de viver. A vida, obrigatoriamente, a despeito de nossa perda de capacidade física, se torna mais leve, mais fácil de levar.
Viver é uma tarefa sorvida a conta gotas, embora com uma volúpia juvenil. É um paradoxo absoluto. Estamos mais débeis e, no entanto, nossa expectativa com relação à vida é mais intensa.
Fato é que, a passos curtos, corremos para esperar a vida na próxima esquina. Se ela passa incólume, fazemos gestos, assoviamos, enfim, não nos parece correto ser meros espectadores. Não! Precisamos tomar a vida nos braços e, ainda que em absoluta disritmia, dançar com ela até o sol raiar.
Fico pensando se assim acontece com todos, com todo mundo. Fazendo uma rápida reflexão absorvo que a resposta é negativa. De fato, essa pressa de viver não é uma voz corrente, mesmo quando passam os dias.
Existem aqueles que encaram a vida de soslaio, na diagonal e, por isso mesmo, jamais estão frente a frente com ela. Preferem uma posição intermediária na arquibancada do show da vida, com visão lateral e, simplesmente, esperam a vida passar.
Isso não combina comigo, percebo com clarividência…
Mas falava da permissividade que a pretensa maturidade nos impõe. Ao envelhecer entendemos que nossa posição é sempre de protagonismo, embora não seja bem assim. Mas, nessa ordem de ideias, a posição de destaque acaba sendo alcançada justamente porque acabamos por intimidar a vida e essa, paciente e adequadamente, nos permite abraçar o timão, mesmo sabendo que já não temos mais força a navegar contra os ventos de viés.
Velhos na vida, nos permitimos decidir o que comer, mesmo sabendo que os sabores são mais palatáveis. Não gostamos disso ou daquilo, mas teimamos em explicar à vida que não se trata de simples gosto, o gesto travestido de conveniência. Ser feliz provoca gases! Não como tal verdura, pois me sinto muito feliz assim.
E vários exemplos decorrem. As roupas, quanto mais velhos somos, mais modernas são. As encaramos como uma pele descartável que nos empresta, ainda que num pequeno diagrama de tempo, uma imagem mais jovial. E é assim mesmo; de fato é! Nos vestimos mais coloridos, emprestando tonicidade à vida. As roupas são mais justas na medida em que mais flácidas e proeminentes nossas curvas, e nos divertimos com isso!
Outro aspecto interessante é avaliar nossas cores, enquanto a vida passa. Na infância pensamos apenas no brilho da roupa leve, fácil de vestir, que não compromete mínimos segundos de nosso dia. Na adolescência teimamos em ficar nus. Posamos como inquietos modelos para a vida que, atônita, não consegue alcançar o momento a fotografar em forma de arte. Só depois conseguimos ver que a verdadeira arte em posar para vida é o ato em si, e não o retrato obtido, a pintura capturada, até porque nenhum quadro definitivo o artista produzirá. A vida é encarada em sôfregas e rápidas pinceladas. Não há contornos e limites. A vida não é retratada, não existem limites na tela. São nuvens de cores as mais variadas que teimam em mostrar que o desconexo é impositivo. A vida, num quadro, é apenas saudade de um tempo bom, sem um desenho fixado.
E com as palavras, então? Chegamos num ponto da vida que passamos apenas a declamar. Declamamos conselhos, com a autoridade dos incautos que, como tal, não percebem que ouvidos atentos se torcem de rir de tamanha pretensão… Só verdades saem de nossas bocas, a partir de alguns anos. Falamos não o que entendemos como verdadeiro, mas sim o que gostaríamos de ouvir. Nesse momento, palavras são levadas, uma atrás da outra, pela ferrovia impositiva que acreditamos ter construído, com a nossa experiência. Que bobagem! Palavras ficam empoeiradas, quando esquecidas, ignoradas. Perdem o sentido e, literalmente, saem na curva, despencam. A tolerância ou o descaso alheio é que lhes emprestam alguma notoriedade. Sem contestação, os fatos narrados se presumem acatados. Mas não é bem assim, os ecos de nossas palavras se perdem nas ondas do rádio do passar do tempo, e não voltam mais…
Mas falava sobre a empáfia que a idade empresta às nossas comezinhas atitudes. Essa é uma discussão meio sem sentido. Poderia ser narrada simplesmente, mas essa atitude nos emoldura um sabor de tempo perdido. E tempo é o que menos temos no passar dos anos.
De fato, ao envelhecer, percebemos os dias mais curtos. Os anos, então, como voam! É incrível, mas isso acontece mesmo. A vida adquire um ritmo intenso – na verdade sempre teve, e nós vamos, aos pulos, agarrados em algumas de suas presilhas, tentando equilibrar nessa viagem constante.
Nos permitimos entender que só a vida vale a pena. Viver a vida, nada mais que isso. De se lamentar que a exata noção só conseguimos perceber quando os momentos são coisa do passado.
Se não nos preocupássemos tanto com explicações e respostas, talvez tivéssemos energia e velocidade compatíveis a parear com a vida e não apenas vê-la passar.
É mais ou menos nessa época que passamos a entender que viver a vida é nos despojar dos alforjes do preconceito, nos despir da incômoda necessidade de achar razão para tudo. E leves e soltos, embora necessariamente amparados, nos equilibrar no arame da vida estendido sobre o precipício do inevitável.
Viver a vida, então, é estender os braços sobre o parapeito, na janela e, como namorada, esperar o pretendente passar à frente dos seus olhos. Apaixonados pela vida a vemos de olhos fechados. Sentimos seu perfume, escutamos seu caminhar. Brincamos com a vida, perigosa e feroz, mas que sempre nos reserva um gesto de carinho, um cheirinho no pescoço, um beijo, que nos faz entender que só podemos viver em arrepio e arrepiados sentimos o prazer absoluto de estarmos vivos.
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