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Uma cosquinha gostosa

Silvia Ribeiro

Que a gratidão não desvaneça diante da rejeição do outro e nem se ache menos valiosa ou indigna. Muito menos que vire modinha na boca das pessoas como se pulasse de galho em galho em busca de holofotes e de aplausos.

Não devemos pretender uma santidade que não nos compete, tampouco podemos nos fantasiar com batinas, carregar amuletos, mover pedras, ou qualquer outra simbologia do gênero.

Se não houver uma boa vontade dentro da nossa alma querendo apenas dar uma repaginada na nossa evolução, fatalmente não iremos conseguir algum título, crédito, ou bula capaz de transformar as nossas agruras.

Mas, é possível abrir os braços pra docilidade diante das asperezas que se entregam sem pestanejar, superar o cansaço dos nossos pés quando eles emburrarem, e até escancarar um sorriso quando o nosso interior disser que não é capaz. Porque somos.

As vezes a nossa aflição se torna insociável e não quer saber de conversa, não tá nem aí se achamos que ela não nos pertence mais, ou se pedimos aos céus que abafe a sua ferocidade. Se sente a última bolacha do pacote como se diz popularmente.

Tudo que ela quer é ficar por ali bajulando a nossa insonolência, metendo o bedelho no nosso fastio, e ditando ordens para as nossas crises existenciais. Eita pessoinha mais desumana é essa tal aflição.

Somos merecedores de:

Banho de mar ao entardecer, de uma taça de vinho se fazendo de cobertor, de Andrea Bocelli na playlist, de chocolate se divertindo com os nossos hormônios, e de sexo um dia sim e o outro também.

De banho de espuma, massagem nos pés, amigos pra brigar e fazer as pazes, poeira pra sacudir, velas pra perfumar a casa, e borboletas na janela.

De gente que tem risada no coração, de sonhos que nos levam pra passear, de poesias embargando a nossa garganta, e de memórias sem porções limitadas.

E de amor:

De todos os jeitos, de todos os rostos, de todas as caretas, de todas as prosas, de todos os pecados, de todas as cores, de todos os sinônimos, de todos os feromônios, e de todas as posições.

Ah! Somos merecedores do livro:

Devaneios, uma mulher de corpo e alma. Bem ali ao alcance das nossas mãos e enfeitando a cabeceira da nossa cama.

Só pra constar, eu sou a autora do próprio.

Mas digamos que tudo isso não seja possível ou que algum desses itens não façam parte dos nossos sonhos de consumo.

O essencial é agraciar a quem escreve certo por linhas tortas.

Gratidão é uma cosquinha gostosa.

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