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A caixa de lápis de cor

Peter Rossi

 

E de repente lá estava ela, imponente e bela. A gente tirava a parte de cima da caixa e a parte de baixo se desdobrava em quatro e em cada uma dessas repousava doze lápis de cor. Eram, portanto, quarenta e oito no total. Que nada, eram muito mais. Minha imaginação voava simplesmente ante o brilho daquelas cores. Do lado de fora a caixa também era colorida e o nome com letras imponentes.
Até hoje sou assim, as cores me fascinam. Fico hipnotizado diante delas, me imaginando o melhor dos artistas. Em cada nuance, em cada tom, em cada sombra e luz, cismo de penetrar naquele lugar e me tingir com tamanha felicidade.
Imaginar o mundo sem as cores é absolutamente impossível.
Menino ainda, pegava o apontador e com todo carinho fazia surgir em cada lápis uma ponta colorida. Colocava um ao lado do outro, seguindo um crescente de cores, a começar pelo branco, terminando com o lápis preto.
Com um bloco de papel, me deliciava a rabiscar. E assim ficava por várias horas, fazendo serpentear os riscos coloridos a imaginar figuras as mais inusitadas. Pronto o trabalho, era hora de contornar tudo com o lápis preto, impondo limites à minha ilimitada imaginação.
Algumas vezes descascávamos o grafite com uma gilete e o pó derramado sobre o papel era esfregado com um pedaço de algodão. Pronto! O esfumado estava ali.
Tinha também a brincadeira de colorir a folha como um arco-íris e cobrir tudo com o lápis preto. Com a ponta do compasso, íamos riscando de leve o papel, fazendo sobressair uma linha multicor!
Cuidava de assinar a obra e arrancando a folha do bloco, deixava-a repousando no fundo da primeira gaveta da escrivaninha.
Adorava desenhar árvores, casas e foguetes. Alguns mandava para a lua, e nunca mais tinha notícias deles, vai ver ficaram por lá.
Cansado, com o lápis repousando entre os dedos acabava dormindo e com isso viajava na plenitude da minha meninice. Ser menino é o melhor que há. A gente não devia deixar de ser menino nunca, ou então, devia nascer adulto e ir “novando” aos poucos. A vida, com certeza, seria muito mais interessante. Com a experiência de anos vividos e o sonho de criança espalhado na tenra pele, desafiaríamos todas as possibilidades. Seríamos mais felizes.
Tivesse eu esse poder decretaria: devemos ser meninos sempre, mesmo quando adultos formos! E ser menino é estar sempre apaixonado com o colorido da vida.
Minha caixa de lápis de cor, quanta saudade! Devo confessar que ainda tenho uma, só prá ficar olhando. Hoje não desenho mais, só sonho. Mas, ainda assim as cores não me abandonam jamais. Estão nas minhas meias, sempre de tonalidades fortes, são minhas aquarelas.
Tem coisas que a gente não esquece, por mais que queira. Lembro bem do meu estojo de madeira, onde ficavam dois lápis, um preto por fora, o outro branco com a tabuada impressa. Uma borracha branca e outra metade rosa, metade azul. Diziam que apagava riscos de caneta, mas era mentira, ela apenas rasgava o papel. Tinha ainda o compasso, o apontador e uma régua pequenina. Complementando, uma pequena tesoura de pontas curvas. Cuidava com todo carinho do meu estojo de tampa verde. Era o último a entrar na pasta da escola, e o primeiro a sair.
Hoje, os celulares e computadores portáteis fazem às vezes do estojo, com infinitas opções. Perto deles, nosso estojo era apetrecho dos homens das cavernas. Corrigindo, dos meninos das cavernas. Hoje em dia, para apagar o que está errado basta apertar uma tecla e nossos equívocos simplesmente desaparecem, como se nunca tivessem existido.
Fico a pensar se essa é mesmo a melhor solução. Saudosismo ou não, para não correr nenhum risco, mantenho sempre à mão a minha caixa de lápis de cor, afinal, nunca sabemos quando é necessário retocar o nosso céu, nossas árvores, nossos sonhos.
E, convenhamos, colorida, a vida é bem melhor!

Blogueiro

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  • Quantos detalhes me fizeram voltar ao passado.Tinha só uma pequena de 6 cores e ainda tinha um branco, que me incomodava.Mas que delícia. ..queria tê_la de novo.
    Mesmo assim, sinto minha vida muito colorida.Sou feliz.

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