Dia 10 de setembro é Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio e eu não poderia deixar de aproveitar o espaço deste mês para falar a respeito e “vestir” a camisa amarela de sensibilização sobre o tema.
Os que convivem comigo sabem da minha atuação na área e, os mais íntimos, sabem que grande parte da motivação e interesse pelo tema tem como base a morte do meu avô, por suicídio. Então, durante as próximas quartas, a partir de hoje, trarei pequenos textos que abordam a temática de maneira simples, humana e direta.
O primeiro texto é uma espécie de “desabafo” que foi escrito por mim há alguns anos, após o falecimento do meu avô. Acho que essa é uma maneira aproximativa de lidar com o tema, falando abertamente, sem preconceito e estigmas, sobre os transtornos mentais e o suicídio.
“Essa é uma daquelas coisas que você descobre que existe somente depois que acontece. Foi assim comigo. O suicídio não existia nas minhas representações até acontecer. Era um dia de agosto, eu trabalhava no consultório, onde eu treinada as minhas habilidades de psicoterapeuta incipiente. (…) Recebo a notícia: “Seu avô faleceu. Em milésimos de segundo, passou-se um filme na minha cabeça. E a voz completa ‘Ele se matou'”.
A partir deste momento, passei a viver o que eu posso denominar hoje como “dias de terror”. Terror, sim, não há outra palavra.
O choque, a dor, a raiva, a revolta, a vergonha, a tristeza infinita, a impotência e a culpa, principalmente a culpa. O reconhecimento quase impossível do corpo, o caixão fechado. A ida ao prédio de onde ele se atirara. O silêncio sem fim. As dores físicas, emocionais e as manifestações somáticas de toda natureza. A dor “lutando” pra sair.
Perder alguém para o suicídio é perder alguém para uma morte que é evitável. A perda de alguém para o suicídio coloca-nos diante do imprevisível, do insuportável, da nossa própria impotência. E se eu tivesse ligado? E se seu tivesse feito algo? Será que foi algo que eu disse? Ou pior, foi algo que eu deixei de dizer ou de fazer que poderia ter mudado o curso da história?(…)
Refugiei-me nos livros. Aprendi que o suicídio é muito mais comum do que se imagina e as estatísticas ainda revelam um número subestimado ou “mascarado” por outras causa mortis (acidentes, envenenamentos e coisas do tipo). E ele estava lá, nos livros, bem debaixo do meu nariz: idoso, divorciado, aposentado, histórico de alcoolismo, em um contexto que talvez, nas ideias dele, representasse “vulnerabilidade social”. Uma infância sofrida e difícil. Uma possível ação suicida anterior ainda é um mistério para nós. (…)
Passar por essa experiência me transformou de diversas maneiras. Mudei como pessoa, passei a valorizar mais a vida (…). Mudei também como profissional. Sempre escuto o relato de ideias suicidas como um pedido de ajuda.
Se é coragem, covardia ou desespero, isso não importa. O que importa é que a pessoa que externaliza o desejo de se matar quer mesmo é parar de sofrer. Não quer, de fato, morrer. Geralmente, a tendência do senso comum (…) é encerrar o assunto, “deixa de bobagem”, “isso é frescura”, “vira essa boca pra lá”. E a pessoa acaba é se sentindo um “ET”, como se a dor sentida fosse realmente anormal. Falar abertamente sobre isso proporciona alívio, gera a sensação de compreensão. Questionar o paciente sobre ideias, planejamento e tentativas de suicídio é um dever profissional.”
Referências:
– FONTENELLE, PAULA. Suicídio – o futuro interrompido. São Paulo, Geração Editorial, 2008.
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