Queimei a mão assando batatas doces no forno.
Está doendo. Não sei se passo pasta de dente ou Hipoglós, vou decidir quando chegar em casa.
Estou no estacionamento do supermercado onde parei por um minuto após fazer as compras. A sopa congelada começa a derreter no meu porta malas. Em breve, chegarei para guardar tudo nos seus devidos compartimentos e começar a preparar o jantar. Esse tempo em que estou aqui é um hiato. Ele não existe na minha rotina. Não é programado ou cronometrado. É um tempo que pode ser muito ou pouco. Pode durar horas ou segundos. É uma fenda do dia que uso para olhar através do rasgo. É um não estar em um ponto definido quando paro para refletir sobre alguma coisa. Para ler textos há muito selecionados. Comer uma mexerica recém comprada enquanto acesso os recônditos do pensamento. Escrevo e-mails, revejo fotos. Eu poderia ser gentil e rapidamente sair com o carro para permitir que outro cliente se aposse da vaga e faça as suas compras. Mas não quero. Esses minutos são uma preciosidade do meu dia. São um intervalo em que não estou em lugar algum, fazendo coisa alguma. E quando, no entanto, faço muito. Fico quase invisível. Quase abstrata. Quase não existo enquanto estou nesse carro alimentando-me de silêncios, cítricos, frivolidades e pensamentos. Preparo-me para reentrar em cena conforme exige o terceiro ato. Fim de tarde, buscar as crianças, ferver a sopa e outros deveres.
Abrigo-me na fresta da rotina onde inexisto. Quase adormeço. Embebida em monóxido de carbono e cercada de listras pretas e amarelas por todos os lados. É aqui que me conforto.
Logo ligarei os faróis e rumarei em direção à luz.
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