Daniela Piroli Cabral
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Filho é mesmo mola propulsora, seres imbuídos da missão de nos transformar. Eles nos convocam a nos rever e a nos posicionar sempre.
Nas férias de julho, minha filha foi ao cinema com suas amigas pré-adolescentes assistir ao filme da Barbie. Antes de voltar para casa, por videochamada, já me alertou: “Mãe, você vai amar esse filme. Assiste”.
Confesso que estava um pouco preguiçosa e preconceituosa, não tanto pelo filme em si, mas pelos personagens cor-de-rosa vestidos a caráter com os quais tropecei durante o fim de semana. “Dever ser infantil e tolo”, pensei.
Porém, na última segunda-feira, quando o shopping e o cinema estavam vazios, fomos, eu, inédita, e Laura, reprise, à sessão matinê.
E não é que ela tinha razão? Simplesmente a-m-e-i o filme. E, novamente, paguei língua (quer dizer, língua não, mas paguei cérebro).
Não sou crítica de cinema, mas posso falar da minha experiência diante da telona. Sem ressalvas ou hesitação, o filme é uma produção mega bem feita, personagens, cenários, figurinos, enredo, trilha sonora (Billie Elish mata a pau no final), que nos transportam a uma viagem fantástica a nossas memórias infantis. Essa parte eu me diverti sem limites.
Na trama, Barbie e Ken transitam entre a “Barbieland” e o “Mundo real” buscando solucionar o mistério, que, no final das contas, é sobre identidades, sobre o que é ser mulher e sobre o que é ser homem, dentro de uma sociedade que molda e constrói valores, relações, estereótipos.
Para mim, inegavelmente, trata-se de um filme feminista, que questiona como as estruturas do patriarcado afetam negativamente a construção subjetiva feminina e também a construção de masculinidades (por vezes, violentas e tóxicas). Para mim essa parte foi bem interessante porque introduz sutilmente o debate sobre o ser mulher na atualidade, para além da “mística feminina” e da objetificação e da sexualização da mulher.
Para um público essencialmente feminino e jovem, considero o grande mérito dele. Mostrar para as meninas de hoje que elas não precisam do olhar de validação masculino para serem quem elas desejam. O que elas precisam é de acesso, de direitos e de relações igualitárias.
Nesta perspectiva, a trama amorosa entre o casal acaba ficando secundária e meio sem valor (talvez isso explique a ira dos “redpills” convocando o boicote ao filme e também a decepção das barbies humanas condicionadas a servir seus homens como única forma de existência).
Sem dar spoiler, o final é lindo e mostra o processo de humanização da Barbie, que, no fim das contas, é o processo de libertação que todas as mulheres deveriam passar. Os pensamentos de morte, os pés chatos, as celulites, as lágrimas, o mau hálito e as torradas queimadas são os elementos irreverentes dessa dimensão humana.
Além disso, percebi a narrativa como uma espécie de reconciliação da Barbie com as gerações de mulheres (e eu me incluo nelas) que ela a ajudou a moldar e reforçar no que tange aos estereótipos (de beleza, de feminilidade, de perfeição). Nisso o filme se atualiza criticamente em relação aos valores e avanços de nosso tempo: diverso, plural, não binário.
E vou falar de novo aqui: quem está falando mal do filme está desatualizado e não entendeu que o filme não é sobre a Barbie.
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