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Chuva

Peter Rossi

 

Dia de chuva sem nenhum sentido. Água besta, mas fresquinha, escorrendo em cada fresta … de manhãzinha.

Chuva que remete aos dias de menino, de igreja, de missa e sino. Chuva que reflete, em cada pingo, o sorriso de cada manhã.

Estrada de pó, poeira que vira barro. Cerâmica que escorre entre os dedos dos pés descalços.

Quanta saudade de caminhar sob um céu chuvoso. Correndo sem destino só prá aproveitar cada pingo que cai. Ziguezague na rua prá não desperdiçar nenhuma poça!

Quer coisa melhor que isso?

E quando a chuva para? O sol vem mais brilhante e ressalta da terra aquele cheirinho que dá vontade de comer.

Fui menino que gostava de chuva, mesmo quando ia nadar. Aliás, nadar com chuva é maravilhoso. Água gelada do lado de fora, lavando nosso rosto, água quentinha envolvendo o nosso corpo. Dá vontade de sair não …

Que tolos somos nós quando ficamos grandes. Deixamos de fazer essas coisas tão miúdas e simples, e isso sem qualquer motivo. Afinal, o que há de mal em correr na chuva? Bobeira. Bobagem.

A gente se esquece que chuva lava até pecados. Engoma a roupa, alisa o cabelo …

E o barulhinho? Uma música tão gostosa que embala nossos sonhos mais comezinhos. Nossos pensamentos navegam. A gente se sente verdadeiro super-herói ao esfregar as costas da mão na ponta do nariz, enxugando aquele último pingo que insiste em cair.

Se soubéssemos que iríamos, quando adultos, fugir da chuva em sombrinhas negras, cada uma mais feia que a outra, teríamos, certamente, nos molhado mais.

O compromisso é ser sem compromisso, agradecer de peito aberto o presente que recebemos de uma fonte lá do céu. E era um tal de torcer para São Pedro abrir a torneira que nem se fale.

As flores, todas elas olhando fixas para o alto tentando agarrar cada grão de chuva, cada molhar. Acho que como o girassol devem existir as “girachuvas”. A gente é que não atentou prá isso. Ou fez pior, preferiu não atentar …

Correr na chuva é sinal de chegar fora do horário marcado e, o que é melhor, ter uma saborosa desculpa.

Não me convenço de que a chuva não agrade aos adultos. Ao contrário, tenho certeza que agrada, mas sentir agrado quando se cresce tem que ter motivo mais sofisticado. Que nada! Ter agrado é se esfregar em cada pingo como se fosse ele o último. É se vestir de molhado só prá ser diferente!

Chuva não é só prá criança – chuva é prá gente! Mas, míopes, se sequer olhamos onde estamos pisando, como imaginar que olharemos pro céu? E olhar pro céu é prece, sem pressa alguma. É o simples vagar. Navegar. E, já dizia o poeta, isso é absolutamente preciso.

Tenho pena dos que dizem não gostar de chuva, ou que dela se escondem, ou mesmo deixam engavetadas as suas lembranças desse tempo bom. Tempo de chuva miúda. De tarde barulhenta, preguiçosa, freando a máquina do tempo, não deixando a vida passar …

Isso mesmo! Andar na chuva é eternizar o tempo. É fixar a emoção num momento mágico, num rodopio.

E o assovio do tempo? Chamando a chuva para passearem juntos…

Por falar nisso, chuva de vento então, é inesquecível. O nome é meio complexo: chuva de vento. Ora, vento não chove, vento embala a chuva! Abre sua mão e espalha os pingos como se fossem confetes num fabuloso carnaval.

Não posso falar de chuva sem me lembrar dos raios. Chuva de raios é o que chamam. Mais uma vez complexo o nome que dão. Na verdade, não passam de neons, com a diferença que gritam, avisando que vão chegar. Aí o melhor: é correr e tapar os ouvidos, mesmo querendo ouvir aquele barulho. Vagalumes gigantes e ruidosos, mas que amamos. Ver o raio e esperar o trovão! Ou ouvir o trovão e esperar prá ver o raio? Isso é o que menos interessa. Esse par dançando essa valsa é o que queremos.

Como queria um banho de chuva. Milhares de pingos aflitos no meu rosto, um atrás do outro, numa fila interminável, entregando os ingressos ao molhar minha pele. Show, verdadeiro show!

Olhar prá cima até se dar conta de que tão bonito que é, tão gostoso, tão sublime é esse momento que os olhos acabam desaguando em lágrimas, provocando um verdadeiro encontro de rio com o mar …

Blogueiro

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  • Li e reli a CHUVA. Amei! Voltei à minha infância qdo corria, fazendo “zigue-zague na rua prá não perder nenhuma poça”! E os barquinhos de papel que eram colocados nas enxurradas? Torcíamos para eles descerem sem parar mas eis que surgia um bueiro e lá iam nossos sonhos levados pelos barquinhos de jornal! Tempo bom, muito bom. Obrigada por me levar a correr na chuva ️

  • Suas crônicas, nos remetem momentos inesquecíveis!!"Andar descalços, correndo pelas enxurradas ,sentir o cheirinho de terra molhada,que delícia que foi a nossa geração!!"Vivenciamos momentos simples e tão marcantes.
    Saudades ....

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