Todas as manhãs, depois do banho e do café, a cuidadora colocava o Sr. Joseph sentado em frente à janela da sala grande.
Ao lado, na sala pequena, havia uma TV.
Todos queriam ver alguma coisa. E enquanto tentavam chegar a um acordo, e, aos gritos, falavam sem parar. Aquele vozerio lhe incomodava. Muito barulho. Ele sempre muito impaciente. Fiel ao princípio de que ele não podia esperar. Nunca. Nem um minuto sequer.
Em seus pensamentos sombrios, ele se perguntava:
– O que faço aqui? Não conheço esse lugar. Nem essas pessoas. Quero minha casa. Como voltar pra casa? Fica longe? Leste ou Oeste? Pra quê serviriam mesmo os pontos cardeais? Haveria um litoral? Ondas quebrando na praia? Onde fica a praia? E a minha casa, onde está? A quem vou gritar por socorro.
A voz que não saía. A garganta seca. O zumbido nos ouvidos. O frio constante. O tremor das mãos.
Corina, a cuidadora se aproxima. Parece ter lido seus pensamentos. Junto à ela, ele se recompunha. Lentamente. Sem pressa. Acionava o seu botão interno “desligar”. Fechava os olhos. Inspirava profundamente. Apagava todo e qualquer vestígio de companhia. Estava novamente só. Sentia-se meio perdido. Mas não achava ruim. Mantinha o aparelho nos ouvidos. Ensurdecer só quando lhe fosse conveniente. Ouvir sim, mas apenas o que lhe fazia bem.
Quando criança sonhara muito.
Sonhara que seria um desbravador. Um homem importante. Corajoso. Procuraria destroços de navios no litoral dos náufragos. Pensaria sempre em resgatar pessoas. Muitas pessoas perdidas nos botes. Botes salpicando ondas que ainda insistiam em se quebrar na praia. Na praia onde ele brincava e sonhara resgatar sereias. Metade peixe, metade mulher. Cabelos longos, que ondulavam ao vento. E sorri. Em busca de tesouros encontrados em navios há muito perdidos, ele foi construindo uma história só dele.
Lembrava-se do canto do bem te vi.
O zumbido das abelhas, num crescendo.
Água descendo cachoeira abaixo. Um latido do seu cão, Xerife. Chuva caindo pela janela fazendo bater as vidraças. Imaginava o bater asas de uma gaivota, seus gritos quando beijava a água.
Seriam seus sonhos, apenas gaivotas?
Reconhece os segredos que habitam as curvas das dunas. Sempre a praia. Areia. Mar. Sal e sol. Será por isso que ele sente tanto calor? Gotas descem-lhe pela testa. Transpira. Aonde mesmo enterrou sua sombra? E a sua luz, o que foi feito dela? O ar fica pequeno. Pesado e pouco.
Respira de novo e olha pela janela. Pensa em quando partira sozinho para lugares muito estranhos. Percorrera territórios há muito descobertos. Perseguiu por longo tempo uma trilha que não dava a lugar nenhum. Insistiu muito até um dia, enfim, chegar aonde queria chegar.
– Daqui posso ver o mar aberto. Azul. Sem ondas. Uma leve correnteza. Penso em atravessar a nado esse mar. Antes me sentarei na areia. Cobrirei meu pés. Depois minhas pernas. Encontrarei conchinhas. Coloridas. Vou presentear a Corina com elas.
Mexe na areia. Faz pequenos montes.
Segura nas mãos o mundo. Procura bichinhos apressados que correm pela areia. O vento que sopra.
E embarca feliz numa nave voadora que chegara há pouco.
Reconhece alguns passageiros. Sorri pra todos. Procura um lugar. Encontra o seu cantinho. Afaga seu cão de companhia, o Xerife que veio se deitar bem perto dele. Espia o céu azul, sem nuvens. E acha sim, que está pronto
Antes do meio dia, Corina retorna.
Chama pelo seu nome, ele continua imóvel.
Aproxima-se mais. Se assusta. Se aproxima e não sente nada.
Ele já não respira mais.
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Triste realidade. A finitude ainda é dolorosa para nós que não aceitamos os ciclos naturais da vida.
Muito aterrorizador!! Triste realidade que não conseguimos imaginar e aceitar