Marco Antônio, de 13 anos, chegou cedo para a consulta. Estava vestido com seu estilo de sempre: correntes no pescoço, camiseta preta, anéis grossos de rapper, jeans largo. Sentou-se de pernas abertas na cadeira, a mãe ao lado.

     – Como tem passado? 

     – Tô bem.

      A entrevista com ele não costuma fluir facilmente. Recusa-se frequentemente a responder às perguntas e demonstra bastante resistência às intervenções sugeridas.

      – E a escola?

      – Tô estudando algumas coisas.

      A mãe diz que o desempenho do filho melhorou muito. “Continua bagunceiro” – ela afirma. “Mas pelo menos, está aprendendo”.

      Até a última consulta, Marco não sabia ler nem escrever. Sua inteligência é normal, mas ele não focava nas aulas e não tinha disciplina alguma para fazer suas tarefas escolares. No entanto, joga futebol sem dificuldades, prepara suas refeições sozinho, faz favores para a família e vai à escola guiando sua bicicleta.

      – Me dá um papel? –  ele pediu. 

      Tratamos de oferecer-lhe o verso em branco de uma folha do receituário. Ali, ele escreveu: ‘gato, gata’. E entregou-nos a folha, sorrindo.

      Segurei o choro. Em 17 anos de formada, foi certamente dos momentos mais bonitos que já presenciei como médica. Sua escrita era clara, a letra cursiva perfeita. O semblante de orgulho resplandecia através de sua aparente atitude rebelde.

      – Que maravilha! Que conquista! Está feliz por estar aprendendo?

      – Aham. E vou aprender muito mais.

      Entre as coisas mais gratificantes está o resultado de um laço humano que se estabeleceu em uma consulta médica. O mérito desse caso foi principalmente de uma aluna extremamente compassiva e paciente. A ela, dedico esse texto e também os bons frutos gerados pela mudança definitiva do futuro de um adolescente.

 

Ps: O nome do paciente foi trocado para preservar sua identidade.

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