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Na casa azul

Rosângela Maluf

 

Ela abre os olhos sem sequer imaginar que horas são.

O ambiente lhe é estranho. Sim, é a primeira vez que dorme ali. O quarto é imenso, com uma parte ainda escura e a outra não. A claridade vem de fora e ela pôde ver alguns raios do sol que há muito já nascera. Canto de pássaros? Sim. Um bem-te-vi? Parece que sim, não um apenas, mas vários. Ela não pode se mexer. O braço dele enlaça sua cintura. Estão de conchinha. Ela quer se levantar, sem acordá-lo.

As cortinas se agitam lentamente. Parte da janela dormiu aberta. Faz um friozinho gostoso. Ela mexe-se devagar. Ele retira o braço. Ressona. Vira-se para o outro lado. Lentamente, com todo cuidado e em silêncio, ela se levanta. Olha para o quarto. Roupas pelo chão. Sobre a mesinha duas taças, vazias. Uma garrafa de champagne vazia também. Restos de lenha ainda dormem na lareira. Fogo já não há. Sobre a mesa um guia de viagem, uma camisa social, jogada. Um celular. Caixinhas de chicletes, vazias. A lingerie escolhida com cuidado para aquela noite especial.

Encaminha-se até o banheiro. A porta apenas recostada. Ela entra sem fazer barulho. O espelho, embaçado pelo frio externo e o calor do quarto. Olha para a sua imagem refletida. Sorri. Feliz? Sim, muito. Se sente bem? Muito bem. Valeu a pena esperar. A longa espera que vinha sendo adiada há alguns meses. Sempre se teme o desconhecido. O improvável. Até que o inesperado faz uma surpresa…

De pé ela o observa atentamente. Ele ainda dorme sob os lençóis desfeitos. O edredom empurrado para os pés da cama. Deitado, de lado, a mão sob o travesseiro. Os cabelos em desalinho. O torso nu, branquinho, os braços também, sem marcas de sol. Respiração tranquila e sono profundo.

Em câmera lenta, ela coloca a calcinha. Pega a camisa dele e a veste também. Repassa em detalhes a noite que vivera. O cuidado com que ele preparara todo o cenário. A colcha indiana sobre a cama. A lâmpada amarela do abajur. O cheirinho bom de incenso no ar. A playlist do Eugenio Cortázar. As palavras dele ditas na hora certa. Os olhares significativos que não deixavam mais dúvidas. Os afagos. Os abraços, os beijos. Toda ternura acumulada durante os meses de espera. Muita incerteza. Dúvidas. Por quê? Pra quê? E se…?

A gentileza. A educação e a delicadeza. O calor da paixão. O arroubo. A vibração de uma energia diferenciada. O tesão igualmente acumulado, pronto a explodir. A  explosão. E agora, o que virá?

Com o passar do tempo aprendeu a não se questionar muito. A entrega faz bem. Sempre será uma questão de escolha. Melhor se arrepender do que se fez. Então?

Senta-se no banquinho. Dobra a perna. Abraça o joelho. Respira fundo. Se sente feliz. Leve. Continua olhando pra ele que ainda dorme. Não tem pressa nenhuma. Pode esperar calmamente. Olha de lado e vê o guia de viagens que começaram a folhear ontem.  Um papel marca a página que ela abre e lê. Indonésia.

Observa com cuidado os trechos já marcados por ele. Jacarta, um sonho que ela acalenta há muito tempo e ele também. Várias vezes já programara e nunca dera certo. Pode ser o próximo passo. Não agora, mas daqui a dois meses, quando os dois estarão de férias. Por que não?

Ela fecha a revista colocando-a no mesmo lugar. Tira a camisa e se deita novamente. Se cola nele. Respira em sua nuca sentindo aquele perfume de que ela tanto gosta. Enlaça-o também, pela cintura. Enrosca suas pernas nas dele. Devagar. Para não acordá-lo.

Fecha os olhos e sonha acordada com as dezessete mil ilhas da Indonésia. As praias  lindas. Os vulcões. Os dragões de Komodo. Selvas, onde vivem elefantes, orangotangos e tigres. Como será passear a pé pela ilha de Java? Conhecer Bali, parada obrigatória para aproveitar e apreciar as águas quentinhas, verdes ou azuladas. Esportes náuticos e excitantes banhos de sol.

Visitar Sumatra, cercada por formações vulcânicas, além de bosques extraordinários E os templos? A Mesquita Mesjid Ray, uma das maiores da Indonésia, localizada em Medan. Ah, muito ainda para se programar, e torcer para que dê tudo certo. Ela esperou muito por aquela felicidade. Ele também.

Mansamente, fecha novamente os olhos e se deixa levar por aquele soninho… aquele que ela sempre dorme, pela manhã, depois do primeiro despertar.

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