Outro dia, a vi passando na rua. Ela me olhou com os mesmos olhos de sempre, castanhos, de grandes íris. Suas sobrancelhas arqueadas de pontas retas arrematavam a expressão de firmeza que sempre mantinha.
Seu cabelo, mais escuro que o habitual, estava escovado como de costume, com grandes ondas armadas e um topete fixo com laquê.
Estava elegante como sempre andava. Desta vez, de echarpe vermelha sobre um casaco marrom, calças retas, escuras e sapatos pretos de bicos redondos.
Ela me olhou e a reconheci.
Não tivemos a chance de uma despedida. Conversamos pela última vez num sofá, no Natal. Abracei-a, falamos da vida, de seus filhos, netos, de meus filhos. Ela tinha anseios, mas sorria. Sempre tinha uma palavra boa para oferecer.
Uma vez, antes dela ir embora, vi-a bem rapidamente, na hora do almoço. Sem maquiagem, ainda estava bela e altiva. Um pouco triste pelos inconvenientes de sua situação de saúde, mas disfarçava bem.
Ela se foi há 3 semanas, mas naquele dia, vi-a passar em frente ao Consulado da Síria. Ela me olhou e sorri com os olhos ao perceber que sim, era ela. O mesmo rosto.
Sempre bela. Permitiu-me um último olhar, um derradeiro vislumbre em sua figura. Uma lembrança de sua dignidade implacável. Tínhamos um carinho mútuo, uma amizade de familiares que a vida reuniu sem parentescos sanguíneos, mas por laços de identificação e afeto. Ela compreendia a complexidade de ser mulher em outros tempos e nos dias de hoje. Sua história carregava a quebra de paradigmas através de seu trabalho e pela firmeza de suas opiniões. E mesmo nas situações mais difíceis, mantinha-se elegante e gentil com os outros.
Naquele olhar, enfim, nos despedimos.
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