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Queijo do reino e doce de leite

Peter Rossi

Dias desses me vi obrigado a uma viagem de carro até a cidade de Juiz de Fora, local, aliás, que prezo demais. Fui várias vezes até lá e só tenho lembranças boas, bons amigos, conversas interessantes.

A estrada é boa, proporcionando uma viagem tranquila. Mas um momento especial aguçou a minha memória: na cidade de Santos Dumont, que fica no itinerário, passei em frente a Leiteria São Luiz. Na minha época era apenas uma loja de queijos e doces, observo que hoje é Hotel e Leiteria. Como fica no sentido contrário da estrada, combinei comigo mesmo de parar no retorno a Belo Horizonte.

E assim aconteceu. Estacionei meu carro, desci devagar com o coração batendo forte, afinal ali estavam mensagens e imagens da minha infância. Foram dezenas de vezes que estive naquele lugar. Subo os degraus, um a um, até pisar no chão da loja. Caminho em direção ao balcão frigorífico, enorme, não sem antes me deparar com as estantes de produtos, na perpendicular.

No teto, penso ter visto os mesmos ventiladores de outrora, presos em canos enormes, de maneira a diminuir a distância do teto ao chão.

Fico deveras emocionado. Num canto, me vejo vestido com um conjunto de calção e camisa, costurado por minha mãe, sempre em tons coloridos. Nos pés, um tênis Conga azul. Dentro dele, forrando, meias brancas. São canelas finas, canelas de menino, canelas velozes e curiosas.

Tenho a iniciativa de caminhar até lá, embora saiba que a imagem sumirá em meio a uma nuvem de fumaça que embota meus olhos. Fico de longe, então, observando a tudo e todos. Atrás do balcão, uma jovem, à espera do meu pedido, mais ninguém.

Mas não estávamos só, eu e ela. Minha vida de menino feliz também estava ali. Puxei uma cadeira pra sentar, mas antes peguei na prateleira uma lata de doce de leite e uma lata de queijo do reino.

Com as duas postas em cima da mesa, me sentei. Fiquei observando e a marca bailou à minha frente: Borboleta! Doce de leite Borboleta; queijo do reino Borboleta! Quanta saudade! Me lembro bem que a lata do queijo era a mesma, se não, muito semelhante àquela da minha memória. Um invólucro de metal, do tamanho de uma bola de futebol, pintado de vermelho, com alguns detalhes em amarelo e azul. O nome bem destacado em letras cursivas. Me lembrei que era um queijo do reino! Que nome interessante: será que era o queijo servido aos reis? Bem poderia, pois era muito gostoso.

Vem à minha mente o sabor inigualável do queijo, picado em pequenos pedaços, dispostos num prato transparente, chamado pirex, todos espetadinhos com palitos.

– O senhor vai querer uma cuia de queijo? A fala da atendente me despertou.

– Cuia? Como assim? Vou levar esse aqui, esse na lata.

– É esse mesmo, o que o senhor chama de lata, nós chamamos de cuia, é só isso. Abanei positivamente a cabeça.

– E o doce, vai levar também?

Sua pergunta me fez focar na lata também sobre a mesa, em amarelo e branco, com diversas imagens, em sombra, de borboletas. Puxei pela memória, e não consegui descobrir se era ainda o mesmo rótulo. Mas o sabor, com certeza deveria ser.

– Vou levar os dois, você embala por favor?

A mocinha pegou os produtos e eu me dirigi até o balcão. Fiz o pagamento e saí dali com o queijo e o doce, ambos debaixo do braço. Chegando ao carro, abri a porta de trás e coloquei sobre o banco o embrulho. Antes de me sentar no banco do motorista, fiquei alguns segundos olhando a fachada da loja, agora também um hotel. Procurei resgatar outras lembranças, mas não consegui, infelizmente.

Minha vida tinha seguido o seu rumo e a infância passara, como tudo que é bom passa. Um misto de tristeza e felicidade invadiu minha alma. Se, por um lado, queria voltar àqueles tempos, de outro, me sinto um homem feliz, justamente por ter tido uma infância feliz.

Dirigi até BH e pelo retrovisor interno, vez ou outra, via o embrulho em cima do banco traseiro. Agora o queijo e o doce estavam em uma sacola plástica. Antigamente vinham embrulhados em papel, devidamente amarrados por um barbante. Me lembro bem.

Cheguei em caso e fui logo ligando para meus filhos. Os convidei para um café. Assim que chegaram, viram a mesa posta. Uma garrafa térmica, uma caixa de suco de uva, um pacote de pão sovado, a lata do queijo e a lata do doce de leite.

Insisti para que provassem os dois juntos. Abri as latas e coloquei no prato de cada um uma generosa fatia de queijo e uma boa colherada de doce. Pedi que provassem bem devagar. Assim fizeram.

– Pai, isso é dos deuses, muito bom – disse um deles.

O outro acenou afirmativamente com a cabeça e continuou a devorar o prato.

– Pai, onde você conseguiu isso? Nunca tinha experimentado, o sabor é indescritível.

– Filho, isso é um resgate, fui longe buscar, estavam na estante de uma loja distante na minha lembrança.

Coloquei uma porção de queijo e de doce pra mim e sugeri que continuássemos a comer, até quando a vontade passar.

Assim fizemos, vez ou outra sorrindo com os olhos, uns pros outros!

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