Taís Civitarese

Um amigo de minha sogra era um excelente pintor. Ele faleceu há pouco tempo após longo período de batalha contra uma doença crônica. Apesar de sua história de vida ser triste, sempre ouvi falar de seu talento. 

Na juventude de minha sogra, quando se conheceram, ele pintou vários retratos dela que mais parecem fotografias a aquarela. Frequentemente os vejo nas paredes da casa em que meu marido cresceu.

Durante um período bastante ruim da doença do pintor, ele precisou vender alguns de seus quadros para ajudar nas contas.

E foi assim que conheci Bernadete.

Minha sogra nos mostrou uma fotografia da tela, indicando que ela estava disponível. Era um retrato feminino sobre papel em fundo branco. 

Todos se encantaram com a perfeição de seus traços, mas naquele momento, não consegui formar qualquer opinião sobre a obra.

Ainda assim, ela entrou em nossa vida. 

E uma vez em minha casa, batizei-a de Bernadete (torço para ter acertado o seu nome). 

Sua história é que fora uma antiga namorada do pintor. Talvez fictícia.

Ao longo do tempo, observando-a bem, ela foi se revelando para mim.

Ela tem os traços tão nítidos quanto possíveis em uma pintura. Tem uma expressão de espanto, talvez de serenidade ou de estar pensativa.

Tem os olhos azuis e os cabelos ruivos partidos ao meio, presos em rabo frouxo.

É bonita, mas não de uma beleza perfeita. Parece ser de descendência italiana. 

Ao vê-la diariamente, fui me acostumando com ela. Chego em casa e dou de cara com ela. Sempre com a mesma expressão magicamente serena e assustada ao mesmo tempo.

Comecei a achá-la parecida comigo. Ela tem um nariz grande como o meu e um semblante de quem não está o tempo todo feliz.

Comecei a sentir sua companhia quando sozinha. “Ao menos, estou com Bernadete”, penso.

Comecei a sentir que aquela pintura, retrata, na verdade, a mim mesma. O que de humano há nela, reconheço também em mim.

Há algo nela que supera os atributos físicos em nossa semelhança. Há uma angústia sentida, uma humanidade feminina, uma alma em dúvida, uma nuvem na expressão do olhar.

Bernadete me ensinou algo sobre a arte. Por vezes, para se apreciá-la, é necessário tempo e oportunidade de  surgirem centelhas.

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