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O “homem do saco”

Luciana Sampaio Moreira

Sigo pelas redes sociais, o jornalista mineiro Zê Carota, que relata com bom humor invejável a relação com a mãe, Maria Isabel, que chama carinhosamente de Turca. Como ele, eu também tenho mãe, Elma. Não falarei a idade para preservar a minha vida e não ser chamada de mentirosa nos comentários. 

Entre idas e vindas, cuidados e discussões, experimento situações inusitadas como a da última quarta-feira, 29 de março. Toca o celular lá pelas 17 horas. E dá-se a conversa.

“Oi, tudo bem? O que você está fazendo?”, questiona.

“Oi. Terminando mais um dia de trabalho. Por que?”, retorno.

“É que a Mega Sena está acumulada e eu quero jogar no bicho também. O Glauro – taxista que a atende com mais frequência – não está disponível hoje. Você me leva lá?”, convida.

“Em 10 minutos chego aí”, adianto.

Me arrumo, pego o carro e subo quatro quadras. Paro na porta, buzino, ligo e ela sai animada. Ama rua e sempre foi assim. O finado avô Afonso, em uma tentativa frustrada de visita, deixou o bilhete: “Comeu pé de cachorro?”, na porta da casa. Mas não foi suficiente para a mudança de conduta.

Descemos conversando sobre amenidades. Temos evitado certos temas e pessoas para manter a sanidade mental que nos resta. Parei o carro no lugar indicado por ela que desceu rapidamente. Em segundos, avistei uma vaga melhor. Estacionei rapidamente e quando saí do carro, cadê a dona?

Embora esteja caminhando com agilidade depois da prótese no joelho realizada em outubro de 2021 – cirurgia que ela postergou ao máximo – não havia tempo hábil para que ela chegasse à esquina. Por segurança, ela anda devagar, cuidadosamente, mas com firmeza. 

Então eu iniciei a busca da desaparecida. Na esquina, a lotérica. Nada. Aí decidi fazer o caminho de volta. Ela não estava na loja de petiscos e não entrou no café ao lado. A seguir, a pizzaria. Se fosse o meu finado pai, Lucio, com certeza já estaria bem acomodado, com um chopp gelado na mesa e aquela cara de “estou no céu”. Só que ela não é dessas. 

O próximo estabelecimento comercial da rua – até então desconhecido para mim – é uma nova loja do jogo do bicho. E não é que ela estava lá dentro? “Mãe, achei que o “homem do saco tinha te levado”, ralhei. E ela toda “em casa”, vendo números – outra coisa da qual gosta – e discutindo palpites. Logo me apresentou para a atendente: “Esta é a Lu”. 

Confesso que não aderi a essa moda de reduzir um nome à primeira sílaba. Ainda mais para estranhos. Mas não tive o que fazer a não ser sorrir. Pior é quando alguém que a conhece me chama de Lu… Depois de uma conversa animada, ela fez os jogos dela lá e seguiu para a lotérica da esquina, onde me induziu a fazer dois bilhetes de seis números. 

“Se tiver que dar, não precisa nem de dois”, eu sempre digo. Mas ela aposta. Gosta do jogo, uma das heranças do povo dela que eu sinceramente não herdei. Uma vez, lá no final do século passado, ganhou na loteria e ainda espera o repeteco da sorte.

 “Já imaginou, a gente poderia viver tranquilo, só curtindo”, projeta. E eu rezo toda vez para que esse resultado venha, porque essa vida nossa de hoje está tão difícil que só na fé mesmo para dar conta. E nesse caso, a fé é dupla: em Deus e nos números da Mega. 

Dedico esse texto ao Zê Carota, a quem entendo profundamente e também à Dona Turca, que pareço conhecer de longa data. Afinal, mães são muitíssimo parecidas.

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