A Lua, depois de pedir conselhos para cinquenta astros e estrelas diferentes, ouviu exatamente o que queria. Finalmente – pensa – enquanto as palavras saem da boca do seu interlocutor. As mesmas palavras que brilhavam em sua mente constantemente como uma supernova. Estava aliviada. Um redentor, transvestido de razão, levou embora sua culpa. Na sua inocência chegou até a pensar, embora sem provas, que talvez o universo conspire mesmo a seu favor.
Não existia paz nos corredores apertados daquele consciente. Ideias, pensamentos e loucuras dividiam espaço nas sinapses minúsculas, falando diferentes línguas e tentando chegar primeiro ao ouvido já muito cansado de quem os carregava. Esse mesmo, que jurava de pé junto, mão cruzada no peito e com mais afinco do que Lampião que não tinha coração. Os sentimentos brotavam do estômago, ou das pernas; ele mesmo não compreendia se os tinha. Mas, o que ele também não sabia era que um dia, com o celular perto demais do peito, deixou escapar duas batidinha. Pigarreou. – É fome – disse. Não houve argumentação. Se era outro sentimento que queria brotar, tratou-se logo de ser asfixiado com Coca-Cola.
Era quase um sussurro, mas ela tinha certeza de que todos estavam cientes. Era mais do que um desejo, beirava uma ameaça, mas com um pouco de desdém de quem não acreditava que fosse mesmo acontecer. Deitada, olhando para a parede azul clara do quarto iluminada pela luz da lua, ela sentencia: eu vou conseguir, vocês vão ver. O lençol não acreditava nela, a coberta não acreditava nela, a tinta não acreditava nela. De canto de olhou, vislumbrou seus sapatos novos. Estava tentando convencê-los, sem muita convicção em si, de que eles seriam usados para ir a lugares extraordinários. Não era verdade. Mas eles não precisavam saber disso. Inocentes, descobririam da pior forma possível que ficar exporto na vitrine era melhor do que desbravar o mundo perverso dos humanos.
A Vaidade, tão segura de si que era, sabia o velho testamento de cor e salteado. Levava no olhar um leve desdém, um pensamento – quase – contido de que poderia ser o melhor dos piores pecados. Ninguém nunca havia dito isso a ela, mas quando via a Gula se acabar em migalhas, a Vaidade as enchia de Luxúria e se sentia a melhor das piores entidades. Todos os dias, a Vaidade roga a santíssima trindade para livra-la do caminho do mal. E é sempre a mesma resposta quando perguntam como mantém sua beleza: – Nossa! O que você passa no cabelo? – Ah! Que nada! É só um pouco de babosa! Até o pior dos pecados consegue ter uma horta, por que eu não consigo fazer uma orquídea viver?
Camurça é um animal que pode ser encontrado nos Alpes e Bálcãs – apenas. Catalogado em 1758, sua fama o precede. Mesmo não existindo aos muitos, está em todos os lugares, sapatos e bolsas espalhadas pelo mundo. A camurça (ou seria “o”?) não sabe o que está acontecendo para além das terras geladas onde pasta tranquilamente. Na mente dela (ou seria dele?) se manter quente é a única preocupação. Seus meio irmãos não fazem diferença. Mas, vez em quando um pensamento diferente cruza a sua rotina. No Brasil, nos aglomerados das feirinhas, o vendedor afirma: – pode levar! É de camurça original! – não é não. O animal responde, comendo seu matinho.
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