Nas últimas férias, tive a oportunidade de ir com minha família para um lugar coberto de neve. A intenção era esquiar. No terceiro dia de viagem, após uma tempestade inesperada na montanha, adoecemos. E passamos o resto da viagem fechados em um apartamento em que toda a paisagem das janelas era branca.
Entre febres, espirros, coriza e acessos de tosse, não havia muitas coisas para se fazer ali. Sem condições físicas de sair para passear ou praticar esportes, foi necessário encontrar soluções para passar o tempo. Foi quando li o lindo livro de Olga Tokarczuk “Sobre os ossos dos mortos”, que coincidentemente se passa em um cenário nevado na Polônia.
A personagem principal desenvolve toda a sua história em condições climáticas que, para nós, eram apenas um fragmento passageiro dos passeios da vida.
Após essa leitura e ao observar a natureza através das enormes vidraças da casa, desenvolvi um certo fascínio por aquele ambiente tão inóspito e distante do nosso cotidiano.
Anteriormente, via a neve como um adereço lúdico de países distantes. Cheguei a pensar também que trazia um frio exagerado e molhado, algo bonito, porém dispensável. Aquele tempo de observação me fez perceber de forma mais consciente que esse elemento faz parte da vida quotidiana de muitas pessoas. E sua hostilidade contrasta com as soluções que se encontram para transpô-lo enquanto obstáculo. Sair na neve não é algo simples nem em se estando saudável. E ao mesmo tempo, quem ali vive precisa frequentar o dentista, fazer ginástica, levar crianças à escola, ir ao trabalho.
Os carros usam correntes nos pneus, máquinas especiais removem seu excesso das estradas, as roupas casuais precisam ser grossas e conter muitas camadas, líquidos quentes são oferecidos no comércio a toda hora. Calefação, luzes, cores artificiais para transpor a brancura…
A lição que tirei dali me ensinou coisas aplicáveis também a outros tempos. Como adaptar-se a um mundo, às vezes, sem cor. Encontrar soluções no inesperado. Transpor o frio e a hostilidade com criatividade. Não se deixar abater pela dificuldade.
Muitas vezes não nos damos conta de já termos uma grande dádiva em abundância. A ausência de dificuldade já se mostra um enorme, gratificante – e frequentemente invisível – presente.
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