Taís Civitarese

Nas últimas férias, tive a oportunidade de ir com minha família para um lugar coberto de neve. A intenção era esquiar. No terceiro dia de viagem, após uma tempestade inesperada na montanha, adoecemos. E passamos o resto da viagem fechados em um apartamento em que toda a paisagem das janelas era branca.

Entre febres, espirros, coriza e acessos de tosse, não havia muitas coisas para se fazer ali. Sem condições físicas de sair para passear ou praticar esportes, foi necessário encontrar soluções para passar o tempo. Foi quando li o lindo livro de Olga Tokarczuk “Sobre os ossos dos mortos”, que coincidentemente se passa em um cenário nevado na Polônia.

A personagem principal desenvolve toda a sua história em condições climáticas que, para nós, eram apenas um fragmento passageiro dos passeios da vida.

Após essa leitura e ao observar a natureza através das enormes vidraças da casa, desenvolvi um certo fascínio por aquele ambiente tão inóspito e distante do nosso cotidiano.

Anteriormente, via a neve como um adereço lúdico de países distantes. Cheguei a pensar também que trazia um frio exagerado e molhado, algo bonito, porém dispensável. Aquele tempo de observação me fez perceber de forma mais consciente que esse elemento faz parte da vida quotidiana de muitas pessoas. E sua hostilidade contrasta com as soluções que se encontram para transpô-lo enquanto obstáculo. Sair na neve não é algo simples nem em se estando saudável. E ao mesmo tempo, quem ali vive precisa frequentar o dentista, fazer ginástica, levar crianças à escola, ir ao trabalho.

Os carros usam correntes nos pneus, máquinas especiais removem seu excesso das estradas, as roupas casuais precisam ser grossas e conter muitas camadas, líquidos quentes são oferecidos no comércio a toda hora. Calefação, luzes, cores artificiais para transpor a brancura…

A lição que tirei dali me ensinou coisas aplicáveis também a outros tempos. Como adaptar-se a um mundo, às vezes, sem cor. Encontrar soluções no inesperado. Transpor o frio e a hostilidade com criatividade. Não se deixar abater pela dificuldade.

Muitas vezes não nos damos conta de já termos uma grande dádiva em abundância. A ausência de dificuldade já se mostra um enorme, gratificante – e frequentemente invisível – presente.

*
Curta: Facebook / Instagram
Blogueiro

Share
Published by
Blogueiro

Recent Posts

Feliz Natal

Mário Sérgio Todos os preparativos, naquele sábado, pareciam exigir mais concentração de esforço. Afinal, havia…

14 horas ago

Natal? Gosto não!

Rosangela Maluf Gostei sim, quando era ainda criança e a magia das festas natalinas me…

20 horas ago

Natal com Gil Brother

Tadeu Duarte tadeu.ufmg@gmail.com Com a proximidade do Natal e festas de fim de ano, já…

2 dias ago

Cores II

Peter Rossi Me pego, por curiosidade pura, pensando como as cores influenciam a nossa vida.…

2 dias ago

Corrida contra o tempo em Luxemburgo

Wander Aguiar Finalizando minha aventura pelo Caminho de Santiago, decidi parar em Luxemburgo antes de…

3 dias ago

Assumir

Como é bom ir se transformando na gente. Assumir a própria esquisitice. Sair do armário…

3 dias ago