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A vida monótona ou estamos imersos na irrealidade?

Raniere Sabará

A vida monótona ou estamos imersos na irrealidade?

A vida é tão monótona quanto a gente pensa ou estamos imersos na irrealidade?

Esses dias, como em tantos outros, venho tenho bloqueios criativos até mesmo para devanear o cotidiano. Fico pensando, repensando, em estrofes e parágrafos que podem se complementar. Penso em palavras que podem soar como poesias de Fernando Pessoa, entoadas na voz de Fernanda Montenegro. Tento tanto dar forma as palavras que elas engolem minha boca.

Passo ao longo do dia me forçando a criar imagéticas histórias que tocam o coração e me esqueço de que os acontecimentos das manhãs e tardes também acalantam o peito. Crio contos e me esqueço de contar sobre a senhora do 201 que, pela janela, sorri ao vento, sente o cheiro da roseira de frente a porta e não se dispersa ao olhar as memorias que ainda a resta em virtude do Alzheimer que tomou conta de seu corpo.

Ao chegar do trabalho nesta tarde – que após muita chuva, fez o sol brilhar outra vez – e me deparar com tal cena, me atentei sobre a possibilidade de novos olhares para o mundo a partir da presença. E ao possibilitar essa presença, entendi que a própria licença do que é irreal nos traz a falsa ideia de que estamos seguros. Seguros de si. Da vida. Do acaso.

Mal reconheceria o olhar atento dessa senhora se não estivesse presente na mente de um corpo diferente que me mostrou como é importante os nossos sentidos e toda a sinergia que contempla nosso corpo. Que o medo da morte se torna a esperança de não sermos o que um dia fomos.

Não haveria de entender o significado da compaixão se não estivesse presente na mente de um corpo diferente da padeira que insistiu em pagar o queijo para outra senhora que estava na fila e a conta não fechava com o dinheiro que tinha e, daí, usou para seu chefe a desculpa de que a devia. Eu não haveria de entender o significado da desconfiança se não estivesse presente na mente de um corpo diferente do patrão que insistiu que a padeira pagasse o que a senhora devia antes dela passar o restante que faltava para conta fechar. O dinheiro, ali, valia mais que a fome humana.

E se eu contasse sobre a companheira de trabalho que faz do mal sua companheira. E se eu não temesse em dizer da contradição que vivo do trabalho e as minhas frustrações quanto ao que de fato me imagino sendo e fazendo e no que de fato faço nesse momento? E se esse momento fosse a minha própria frustração de estar imersa no irreal?

E assim, ao não dizer nada, me fiz de poesia, terapia e suspiro profundo.

Talvez – digo, com firmeza – após essa lição de hoje, que a poesia está na simplicidade. Porque, de fato, a vida é assim. E não a tente complicar, pois, é preciso simplicidade para fazê-la florescer.

*

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