Chove há dias na cidade. A previsão do tempo indica chuvas para a passagem de ano. O sol só vai mostrar sua cara sólida nos primeiros dias do ano, após se certificar que há possibilidades de esperança para além do movimento de translação.
Anne está assentada no banco da praça desta cidade cinzenta, observando pai e filha brincarem juntos na gangorra. Eles sorriem e se balançam em cumplicidade. Parecem não se importar com os pingos grossos da chuva que caem. Pedestres cruzam apressados a praça, buscando se abrigar nas marquises. O tempo parece se lentificar.
Enquanto seus olhos viajam na cena, sua mente viaja no passado. Ela também parece não se importar com a chuva que cai e lhe molha os cabelos e os pés de sandália. As memórias são inevitáveis e estão presas no seu corpo. A consciência do vivido lhe assusta e lhe deixa perplexa. Um arrepio frio percorre-lhe a espinha e se torna permanente na ereção dos pelos dos braços. Segue-se uma sensação de sufocamento. Foi ali que esteve há mais de 4 anos.
Foi ali que, também num dia de chuva, ela esteve com seu garoto. Foi ali, debaixo daquele mesmo céu acizentado, que eles se abrigaram debaixo de uma tenda junto com estranhos por causa de uma chuva inesperada e torrencial. Debaixo daquela tenda, e protegidos pela intimidade do amor, eles não se irritaram nem ficaram com medo. Mesmo ilhados nos contornos da praça, eles sorriram e se divertiram, trocando olhares brilhantes debaixo daquela tenda de piquenique improvisada. Não houve antes nem depois.
Além das memórias, as emoções são inevitáveis. Um aperto lhe oprime o peito e sobe garganta acima até lhe chegar aos olhos que derramam lágrimas de saudade e de tristeza. Tristeza não, um pesar. Entre eles, não havia hesitação nem dúvidas. Aquele amor foi inequívoco, desde o início. E seu fim deixou um rastro de devastação.
Anne procura resposta, tenta entender o que houve. Será que foi coragem? Será que produziram aquele amor por necessidade mútua? Procuraram-se por emoção ou idealização? Buscavam preencher de sentido as lacunas da existência? Ah… A verdade é que aquela relação tinha curado a ambos de diversas formas.
Anne observa o cão vira-lata que zanza urinando nos os troncos das árvores, marcando o seu território. Ainda debaixo da chuva que cai forte e lenta, ela caminha em direção a sua casa. Na banca de flores pelo caminho, Anne compra um buquê de rosas vermelhas e girassóis amarelos. Um lampejo lhe invade a consciência: “As flores são tão belas e perecíveis como o amor”.
Anne caminha debaixo de chuva, abrigada pelo pequeno guarda-chuva preto e sem graça. O ano novo virá, apesar de toda água derramada.
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