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A CIDADE FANTASMA

Raniere Sabará

Minas Gerais. Passear por ela faz do fogo acesso em chama virar pó em montanhas que se curvam e entrelaçam como pintura pincelada em verde-água. As ruas de pedra me fazem estalar os mendinhos e calcanhares. As cidades históricas me trazem tantas histórias que não são histórias quaisquer.

Mariana. Segunda capital do nosso Brasil. Quando cheguei, havia algo muito peculiar que me chamara atenção, embora, ainda não conseguia retratar aquilo que me puxava. Casas de uma arquitetura tão sutil que traçava e atravessava uma cultura e arte colonial. Havia ali também marcas da resistência. Não demorou muito pra sentir. Eu dei de cara com o descaso. 7 anos do maior desastre ambiental que essa País já sentiu.

Pela janela da pousada, eu recostava meu corpo no parapeito e tentava distinguir o cheiro da terra e do pó. Tal janela, como tantas outras, me mostrava um mundo além do que meus olhos podiam ver. Janela da pousada. Vidro do carro. Bento.

Era 5 de novembro quando a caminho de Bento Rodrigues, a paisagem da nossa tão querida Minas Gerais se desafazia em meio à lavras que a lama plantou. Era preciso estar atento. O inimigo andava a solta pelo reassentamento inacabado. As áreas da colheita, onde o Sr Francisco plantava, ressurgiu em forma de concreto. “Não quero vocês andando por aí”, disse o segurança a mando da Samarco.

O distrito virou fantasma. Mais uma vez, pelas janelas que nos diz tanto, saqueadas, a história se repetia mais uma vez. Dessa vez, havia como sentir. Não foi por acaso. Há memória. Presença de corpos. Almas caminhando junto aos poucos gados que ali ainda habitavam. Passo à frente da janela da primeira casa atingida. Havia destroços cobertos pelo crime. Havia pedidos de socorro em cada canto. Eu as vi em movimento.

No adro da capela, 19 cruzes se sobrepunham em memória dos que se foram. Meu peito se enche e as lagrimas escorrem. Me sinto impotente. Sem reação. A justiça não foi feita. Sr. Francisco, 95 anos, muito provável não verá um dia a tão sonhada casa que ele espera a 7 anos.

Com toda a fé que me movia, eu só pedi para que aquela dor não me fosse indiferente. Eram mulheres. Mães. Sábias. Avós. Pescadores. Era uma classe. Não podia ser de outra cor.

Com toda a fé que me movia, posta naquele adro, pedi para que jamais me esquecesse de que “enquanto há vida, há luta” e, eu lutarei. Até o fim dos tempos.

*
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