A gente entrou nessa achando que seria só uma paradinha de quinze dias e lá se vão quase quatro meses de isolamento. As miniférias se transformaram numa condenação de privação de liberdade que nem o pensamento de que “estamos todos no mesmo barco” ameniza a dureza da realidade.
As mortes crescentes, o aumento do número de casos, a possibilidade do colapso do sistema de saúde, a ameaça de contágio, a necessidade de distanciamento social que restringe o contato e os afetos, as infinitas tarefas domésticas conjugadas com as exigências de trabalho remoto e de educação escolar em casa, são só alguns exemplos do equilibrismo exigido de todos nós.
Confesso que às vezes fica difícil enxergar a metade cheia do copo. Só com muita imaginação mesmo. E é ela (sim, a imaginação!) que tem me ajudado bastante a atravessar os dias, pois me abre um campo positivo de possibilidades negadas na realidade. A imaginação tem me permitido criar, escrever, ler, fantasiar, cantar.
É necessário e salutar imaginar que teremos dias melhores ou que, na pior das hipóteses, esse momento será um marco histórico de grande relevância para todos. Gosto da ideia de tornar esses dias um traço mnemônico de superação. Num futuro próximo, quando estiver em sofrimento ou conflito, já terei esse recurso interno do “2020, eu sobrevivi”. Ah, e se eu sobrevivi a 2020, serei capaz de superar qualquer coisa nessa vida.
E é também nos passeios diurnos, que faço a pé com a cachorra, que exercito meu olhar e minha imaginação. Outro dia, no edifício que fica ali no meio do quarteirão, avisto uma garotinha na varanda do apartamento. O sol bate no vidro e ilumina o seu rosto. Ela deve ter seus 5 ou 6 anos, imagino. Os dentes de leite ainda estão ali. Está acompanhada da babá e ambas estão com varas de pescar penduradas para fora da sacada, em direção à rua. Estão paradas, silenciosamente, esperando pela hora que os peixes virão mordiscar as iscas imaginárias. Elas estão lá, à beira das águas dos seus mares ou rios, pescando muito mais que peixes: sonhos, diversão, poesia, esperança. Observo a cena de longe e rio internamente enquanto aguardo Lola fazer as necessidades no canteiro.
Em seguida, alguns quarteirões à frente, observo uma outra varanda. Só que nela não há pessoas, mas sim inúmeras bexigas multicoloridas presas à tela de proteção. A cena me faz lembrar do filme Up – Altas Aventuras. Imagino as crianças que moram naquele apartamento. Imagino que houve uma comemoração de aniversário por ali. Ou que talvez aquelas bexigas tenham sido uma última tentativa desesperada de uma mãe em entreter e acalmar as crianças sem escola. Ou talvez seja mesmo casa de vó. E em casa de vó sempre pode tudo, principalmente imaginar.
Chegando em casa, o entregador me aguarda na portaria. Ele me entrega a encomenda que está enrolada, em forma de um grande pergaminho, e me diz: “Espero que tenha ficado do gosto da senhora”. Já no apartamento eu a desenrolo e constato o resultado: “É, ficou bem como eu imaginava.” A faixa grande de pano que foi afixada na minha janela carrega os dizeres em colorido e caixa alta: “Tudo vai passar”.
Agora toda a gente, grande ou pequena, que andar como eu ando pelas ruas, olhando para cima e especulando as varandas, vai ter um estímulo para imaginar também.
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