Categories: Convidados

Quanto tempo o tempo tem?

Raniere Sabará

Certa vez, da sacada da janela, estava vendo o sol se pôr no pé da serra e, por um outro ângulo, via a lua nascer naquele final de tarde aconchegante. Ao compasso que desanuviava meus pensamentos, me veio um questionamento: “Quanto tempo será que o tempo tem?”. É uma retórica que me paira em todos os momentos de ápice do cotidiano.

O tempo é um mistério.

Para os povos gregos, o tempo podia ser entendido como cronológico e sequencial ou qualitativo, de um tempo indeterminado. Para nossos povos originários, o tempo não era cronológico. Cada encalço da natureza os fazia distinguir o cheiro da terra, a fertilidade do solo para plantio, os rituais de caça e pesca e a imagética adoração aos deuses. Esse mesmo tempo com múltiplos arquétipos, era ressignificado como sinônimo de sensibilidade de conexão com aquilo que realmente importava.

E para nós, o que é o tempo?

Os modos de produção capitalista e do viver, transformaram o intangível em material. O tempo em forma de produtividade.

Corpos foram monetizados em uma circular superfície. Em meio aos caóticos centros urbanos, somente enxergamos tudo aquilo que os olhos estão cansados de ver e a cronologia do tempo vai se cravando em minúsculas inquietações que nos contorcem como montanhas que se rompem.

Tomou-se forma o intangível. Dentro de telas, buzinas, surdinas, multidões, carros, motos, fumaças e aviões, a cidade nos engole com a falsa perspectiva do que é real. Vivemos para trabalhar e trabalhamos para sobreviver.

E aquilo que a cidade não vê?

Talvez, esteja ali, o grande significado de quanto tempo o tempo tem.

Vinicius de Moraes sempre dizia que “a vida é a arte do encontro, embora aja tantos desencontros pela vida”. Pois bem… Desejo que esse encontro com o tempo esteja nas margens do que o coração sente. No vento que desaquece o corpo. No sútil acalanto de uma conversa no fim da noite, abraço que acalma. No pisar da terra molhada que germina lembranças da infância.

Desejo que esse encontro com o tempo esteja nas possibilidades imprevisíveis que a natureza nos dá. Nos desencontros que a vida planta pelo acaso para nos reencontrar. Nas manhãs frias e chuvosas onde o tempo torna-se somente sinônimo de quietude e cuidado. Na sonoridade musical que arranca sorrisos e lágrimas em dias que nem se vê passar.

Que o tempo possa ser muito além do que os olhos consigam ver. Que a sensibilidade do toque, ressignifique, como para nossos povos originários, a conexão com aquilo que realmente alimentamos para constituir o que desejamos dar forma: Tempo-ser.

*
Curta: Facebook / Instagram
Blogueiro

View Comments

  • Muito bem e muito bom! Como "diria" o Pato Fu, "Tempo, tempo, mano velho..." Parabéns, Raniere.

  • O tempo perguntou para o tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu para o tempo que o tempo tem tanto tempo quanto o tempo tem.

  • Outra:
    O tempo perguntou pro tempo qual é o tempo que o tempo tem. O tempo respondeu pro tempo que não tem tempo pra dizer pro tempo que o tempo do tempo é o tempo que o tempo tem.

  • Parabéns pela bela reflexão que teve num final de tarde belorizontina. O tempo é o conceito mais abstrato que conhecemos. O que é o tempo? Como tudo começou? Para a ciência tudo teve início a aproximadamente 13,6 bilhões de anos com a grande explosão de energia acumulada no espaço e essa energia vem se dissipando ao longo deste tempo/espaço decorrido/transcorrido. Albert Einstein desvendou o Universo com seus estudos no campo da Física. Outra prova que temos deste tempo é atraves de datação de material rochoso da Terra que já fora datados e que chega a dizer que a idade da Terra é de aproximadamente 4,6 bilhões de anos. E que este material quente vem resfriando ao longo deste 4,6 bi anos. Tanto é que ainda possui um núcleo rochoso com Ferro e Níquel e que segundo alguns estudos ainda tem outros 5 bilhões de anos para acabar de resfriar totalmente. Para nós meros mortais o tempo é o bem mais precioso que podemos ter na vida. E a vantagem de envelhecer é isso, é a dadiva da vida de não ter morrido antes. Abraços pessoal. Me desculpem pelo importuno.

Share
Published by
Blogueiro

Recent Posts

Ainda pouca mas bendita chuva

Eduardo de Ávila Depois de cinco meses sem uma gota de água vinda do céu,…

6 horas ago

A vida pelo retrovisor

Silvia Ribeiro Tenho a sensação de estar vendo a vida pelo retrovisor. O tempo passa…

1 dia ago

É preciso comemorar

Mário Sérgio No dia 24 de outubro, quinta-feira, foi comemorado o Dia Mundial de Combate…

2 dias ago

Mãe

Rosangela Maluf Ah, bem que você poderia ter ficado mais um pouco; só um pouquinho…

2 dias ago

Calma que vai piorar

Tadeu Duarte tadeu.ufmg@gmail.com Depois que publiquei dois textos com a seleção de manchetes que escandalizam…

3 dias ago

Mercados Tailandeses

Wander Aguiar Para nós, brasileiros, a Tailândia geralmente está associada às suas praias de águas…

4 dias ago