Daniela Piroli Cabral
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Belo Horizonte, 05 de Outubro de 2022.

Caros eleitores envergonhados,

Confesso que hesitei um tanto antes de escrever esta carta, mas a urgência do momento e a importância desta data me empurraram para as palavras.

Vocês que foram a grande surpresa do primeiro turno das eleições, eu lhes convido a encarar a sua própria vergonha. Isso mesmo, a vergonha, emoção de autoconsciência que reflete uma sensação de desconforto e de arrependimento.

Nós sabemos, na nossa intimidade, que a urna é o espelho da nossa própria consciência e o voto reflete quem somos, nossos medos, nossos preconceitos, nosso elitismo.

Se você teve vergonha de assumir que iria votar no Bolsonaro, é porque no seu íntimo talvez saiba que não deveria votar nele.

Se você sente vergonha é porque sabe que votou egoisticamente e tentou se disfarçar no discurso de que “político é tudo igual”.

Quando estamos envergonhados, não conversamos, nos silenciamos por medo de nos expor. Quando estamos envergonhados, nos isolamos receosos do julgamento alheio.  

Por isso, queria dizer algumas palavras bastante refletidas sobre o voto envergonhado.

Sei que vocês, assim como eu, não são fascistas, nem se identificam com essa gestão truculenta e opressora, muito menos com os discursos de ódio e da necropolítica. Acredito que vocês têm consciência dos riscos e da incoerência do seu voto. A urna eletrônica não julga, apenas contabiliza um voto a mais a favor do retrocesso. Por isso mesmo as pesquisas não conseguiram captar as suas intenções de voto.

Sei que vocês, assim como eu, se incomodam com a mistura entre a política e a religião em nosso Estado que deveria ser laico. Imagino que vocês também não acreditam na imposição de um único Deus e clamam por tolerância e respeito frente à diversidade do sagrado.

Assim como eu, sei que vocês temem ser acusados de antipatriotas, simplesmente por discordarem da apropriação do nosso maior símbolo, a bandeira, pela narrativa autoritária e da violência. Imagino que vocês reagiram nas urnas, por se sentirem paralisados frente ao pânico moral que se instalou, disseminado primordialmente por fake news e narrativas anticomunistas.

Vamos à realidade objetiva: o PT liderou essa nação por mais de 13 anos e nunca estivemos perto disso. Muito pelo contrário, a vida do pobre melhorou, a vida do rico melhorou e Lula saiu do governo com 88% de aprovação. Não há razões para crer que será diferente em seu novo mandato, dada ainda a aliança feita com Geraldo Alckimin.

Sei que vocês, assim como eu, amam demais a sua família, do jeitinho que ela é, cheia de imperfeições e diferenças, simplesmente porque ela é a sua origem e para onde você pode correr quando dá medo ou saudade. Imagino também que você não acreditam em um único modelo de família, principalmente sustentado por bocas hipócritas e patriarcais.

Sei que vocês, assim como eu, sofreram enormemente e tiveram perdas na pandemia. Sei que não tiveram a chance de se despedir e se sentiram reiteradamente desrespeitados em sua dor e seu luto, pela falta de ação e humanidade do gestor maior dessa nação.  Faltaram oxigênio e empatia. Sim, as lideranças têm papel primordial no processo de reconhecimento das dores e estabilização emocional.

Assim como eu, sei que vocês acreditam nos progressos da ciência e estão vivos hoje graças às vacinas e às políticas de saúde pública, construídas a duras penas por muitos anos. Sei também que reprovam a gestão leviana feita pelo inominável em um momento de crise sanitária.

Sei que vocês, assim como eu, defendem o desenvolvimento econômico e o progresso do país. Mas principalmente rejeitam a economia predatória que super explora os trabalhadores e o meio ambiente. Estão aí os irreparáveis crimes ambientais de Mariana e de Brumadinho que também nos envergonham enormemente. 

Assim como eu, sei que vocês se incomodam com a quantidade de gente vivendo na rua e passando fome neste momento. Imagino que entendam também que a forma de superar isso é através da lógica do bem comum. Quando uma sociedade melhora para a maioria, ela melhora para todos.

Sei que vocês, assim como eu, abominam a disseminação da cultura armamentista e acredita que a melhor política de segurança passa pelo desenvolvimento de uma nação com mais justiça social, pela educação de seu povo e pela defesa de uma democracia estável. E hoje, votar no “imbroxável” significa colocar em risco o Estado Democrático de Direito. 

Então hoje, no dia de aniversário de 34 anos da nossa Constituição Federal e da nossa jovem democracia, peço a vocês que resgatem a nossa Carta Magna, uma construção coletiva, que não resistirá a mais quatro anos de ataques reiterados. 

Ah, e não se enganem: na realidade, todo envergonhado acaba se denunciando pelo rubor vermelho da própria face.

Daniela Piroli

 

Para ter na porta da geladeira:

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

 

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