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Desvios para o olhar

Luciana Sampaio Moreira

Mais uma vez, o noticiário mundial se volta para o poderoso Reino Unido. Não sem motivos. A morte e enterro da rainha Elizabeth II, depois de sete décadas de reinado, são acontecimentos históricos que merecem todos os registros. Da mesma forma, a coroação do novo sucessor ao trono da sexta economia mundial. Causa-me espanto, no entanto, o volume de informações sobre a Família Real britânica que circula na mídia em geral no Brasil. 

Além de jornais, revistas e programas de TV da imprensa aberta e dos canais fechados, inúmeras páginas nacionais e internacionais nas redes sociais se dedicam exclusivamente a repercutir cada detalhe da vida do clã. Não há um dia sem que alguma notícia nova ou um requentado/revelação do passado. 

A memória da princesa Diana, morta em 1997 em um trágico acidente bem como o charme e beleza da nora, Kate estão em diversas montagens, com destaque para vestidos, joias e posturas. Matérias com Harry e sua mulher Meghan são sempre muito destacadas, afinal, ele tem sido o ponto fora da curva. Há espaço também para as travessuras das crianças e hábitos e manias dos membros, de acordo com a posição na linha sucessória. 

Não há como negar que se trata de uma Família Real longeva, mas por que esse conteúdo causa tanta admiração nos brasileiros? Seria a saudade da monarquia portuguesa, que acabou em 1889 com a Proclamação da República? Ou o velho sentimento de colonizados sendo alimentado diuturnamente, para que a população preste mais atenção na riqueza e no glamour alheios, enquanto padece com problemas nacionais para os quais a solução parece não existir?

Em suma, para a maioria dos brasileiros, admirar a monarquia inglesa a ponto de incluí-la na cesta básica de notícias consumidas diariamente não representa um ganho direto para além da chamada “cultura geral”.  As realidades de Reino Unido e Brasil são absolutamente distintas e, na mesma linha, a história de sucesso dos chamados países desenvolvidos não pode ser vista como exemplo para a gestão das mazelas locais.  

Talvez, a análise dos fatos históricos de 523 anos de existência de uma colônia que, ainda hoje, alimenta o sonho de se transformar em potência seja mais eficiente para detectar quais as situações que exigem uma resposta definitiva, para que nunca mais se repitam e quais as experiências que valem a pena ser vividas novamente. 

Há um longo caminho pela frente e um grande legado que – sim – precisa ser valorizado para que os brasileiros consigam deixar de lado a pecha de povo colonizado para conquistar uma auto estima cidadã, sentimento fundamental para transformar o país em Nação.

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Luciana Sampaio Moreira é jornalista profissional, graduada pela PUC Minas em 1994, pós-graduada em Formação Política e Econômica do Brasil pelo Centro Universitário Newton Paiva. Especialista em mídia impressa, também atua na área de assessoria de imprensa e cobertura de eventos.

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