Vinha descendo a Rua Oliveira Couto quando, alguns passos à frente, um casal chamou minha atenção na pracinha da velha igreja matriz de Carneirinhos. Não aparentavam ter mais que 18 anos. Ela, sentada no banco, tinha o olhar perdido ao longe em direção á serra do Andrade. Ele, em pé e curvado, tentava olhar nos olhos dela com o dedo indicador em riste. Quando passei, o ouvi disser com a ira musicando as palavras: “não sou palhaço; você marcou comigo às 16 horas e eu fiquei lá igual bobo esperando quase duas horas”. Não resisti à curiosidade, parei dez metros à frente e me virei para ver a próxima cena. Ela continuava impassível com o olhar perdido ainda mais longe, talvez bem atrás da serra. E ele ainda mais irado, balançando o dedo a poucos centímetros do nariz da jovem.
Cá com os meus botões fiquei alguns segundos a pensar no que se sucedia, até lembrar-me que o problema não era meu. Deu para perceber, no entanto, que ela já estava noutra e que o rapaz insistia em não querer perceber. Olhos de mulher apaixonada não mentem e nenhum sermão recupera o coração da mulher amada. Aquele romance já acabara. Era o fim.
Meio dia, quarta-feira de sol a pique. Em uma pequena cidade da região, ele caminha em direção à pequena casa lotérica para fazer uma fezinha no milionário prêmio da Mega-Sena. A fila alcançava o passeio sem marquise e andava a passos de tartaruga. Velhos, jovens, crianças e ele lá no meio, suando em bicas. Todos reclamavam do calor e da lentidão no atendimento. Vai ver que o sistema está fora do ar, disse um senhor de cabelos e barbas grisalhos. Não, é a Bolsa Família, corrigiu um jovem de brincos na orelha e cárie nos dentes da frente. Quando passou pela porta da loja e alcançou a sombra, percebeu a indiferença de quem estava à frente para com aqueles que ainda sofriam o desconforto do sol forte sobre a cabeça. A cada cliente atendido, as pessoas na fila mal se mexiam. Se fossem solidários, poderiam reduzir o espaço que ocupavam na fila e todos estariam livres do sol. Ele tentou argumentar com duas pessoas à sua frente, mas não houve sensibilidade. No máximo, lhe deram as costas. E o interessante é que as mesmas pessoas que reclamavam quando estavam no sol, esqueceram o desconforto quando alcançaram a sombra e deram uma banana para quem agora sofria com o calor. Por que a gentileza está mais escassa a cada dia?
Dalmo Paz era um baita vendedor. Cerveja, tinta, prego, comida, carro e até vela de sete dias. Vendia tudo o danado. Era campeão de vendas. Rapaz bem apessoado, crente em Deus, coração do tamanho de caixa d’água, gente boa que todo mundo gostava de primeira.
Numa dessas festas de final de tarde que encontram a gente pela vida afora, ele avistou uma morena bem apessoada, simpática, corpo escultural, lábios grossos e muito boa, também, de prosa. Papo vai, papo vem, dois beijinhos no rosto e o terceiro já foi na boca com língua e tudo mais o que se tem de direito. Foi paixão ao primeiro beijo e Dalmo gamou de vez. Mais um encontro, outro mais e, pronto, namoro engatado com direito a caminhar de mãos dadas e até dormi juntos. Abandonou a turma e só andava com Aninha. Presentes, jantares, juras de amor e a situação caminhando para coisa muito séria.
Até que surgiu uma viagem para a convenção anual da empresa. Ele e todos os colegas juntos, no mesmo avião. Mal se assentaram e a turma cantou em coro: “Aninha Canibal, Aninha Canibal, quem não dormiu com ela que levante a mão”. Eram quinze colegas e ninguém levantou a mão. Dalmo quase morreu de vergonha. Não sabia onde enfiava a cara. A ficha caiu e ele começou a entender algumas coisas esquisitas que o amor o fazia superar ou relevar.
Quando retornaram o supervisor o chamou em particular e deu xeque-mate: você decide entre o emprego e Aninha Canibal, porque está pegando mal até para a empresa. Dalmo sentiu saudades dela por muito tempo, mas depois voltou ao normal.
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