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Textos curtos da meia noite

Márcio Magno Passos
Papo de mãe é outra coisa

Colegas de escola, as meninas curtiam a adolescência dos 13 anos com tudo a que tinham direito. Com a ajuda do feriado de Corpus Christi, emendaram o final de semana e, enfim, combinaram marcar presença no desejado rodízio de pizza.

Tudo combinado e acertado, lá foram seis garotas, belas e faceiras. Chegaram à pizzaria mais cedo, como recomenda a idade e tomaram conta do pedaço. Juntaram duas mesas, exigiram atenção especial do garçom, mandaram descer pizzas e o papo rolou solto entre muitas brincadeiras e risos.

De repente, não mais do que de repente, a turma é surpreendida com a chegada de uma das mães que tinha programado outra atividade, mas mudara de ideia na última hora e resolvera “prestigiar” as meninas. Chegou sem a maior cerimônia, puxou uma cadeira, pediu prato e talheres e tentou entrar no papo.

Só tentou. O clima se transformou totalmente. A filha fechou a cara e as colegas começaram a olhar umas para as outras sem saber o que falar. A mãe tentou ser agradável, mas o momento era impróprio. Elas haviam programado, esperado, sonhado e reservado aquele momento só para elas. A mãe não percebeu e, por isso mesmo, não compreendeu.

A pizza “azedou” e ninguém quis mais. Algumas mãos começaram a segurar o cansaço do rosto, outras bocejavam repetidas vezes e a mãe continuava seu monólogo. Aos poucos, as garotas foram se despedindo e, por fim, mãe e filha deixaram o rodízio de volta para casa. Sem brigas, mas absolutamente mudas. É que papo de mãe é outra coisa.

Deixa de ser importante

Voltando de viagem com minha família tempos idos e andados, me surpreendi com a neta Alice, menos de três anos e sentada no banco de trás do carro, cantando uma das músicas de Marília Mendonça: “Deixa, deixa mesmo de ser importante / Vai deixando a gente pra outra hora / Vai tentar abrir a porta desse amor / Quando eu tiver jogado a chave fora…”

Quase bati o carro. Ela com pouco mais de dois anos e meio. Gente, isso não é possível. Pelo menos pra mim não é compreensível.

Passado o susto me recompus e agradeci a Deus. Eu e minha família somos muito bençoados. Não temos do que reclamar. E minha neta é muito inteligente e sabe escolher o que cantar.

É que pensei, fora do calor das emoções, que ela podia estar cantando aquela música do infiel ou aquela outra dos cinquenta reais. Ah, que alívio! Sangue de Jesus tem poder… Canta Alice, canta minha neta! Deixa, deixa mesmo de ser importante…

Lá vai o casal

Braços dados, eles descem a ladeira com os passos compassados e quase automáticos. Não se olham e fitam distante, tão distante que nem enxergam o horizonte. Lá vai o casal nosso de cada dia. Há anos robotizados. O mesmo trajeto, os mesmos cumprimentos, o meio sorriso de sempre no canto da boca.

Serenos, sérios, exemplares. Reserva moral da comunidade. Nunca brigaram, pelo menos publicamente. Trinta anos de casamento, sempre juntos. Missa todos os domingos, cultos às quartas. A sociedade se orgulha deles. Casal modelo, ímpar.

Lá vai o casal nosso de cada dia. Braços dados, encaixados. Inertes, não sentem mais a pele um do outro. Não se roçam, há muito o tempo passou. Assuntos são muitos, mas vontade não há. Os olhos sem brilho mostram que a vida parou. E a felicidade se foi não se sabe para onde. Braços dados, eles descem a ladeira da vida. Já não sabem quando partiram e muito menos para onde vão. Que rotina, meu Deus! Lá vai o casal…

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