Pesca de arrasto – Fonte: Fotos da autora

 

Daniela Piroli Cabral
contato@danielapiroli.com.br

A maria-farinha caminha ligeira em direção à onda do mar que recua da arrebentação. Aqui a água é limpa. Boa para banho, para a vida e para pesca. Caminho tranquila pela orla da praia de manhã nublada, observando as composições marítimas deixadas nas areias pelo recuo da maré.

Vejo muitas algas de tons avermelhados e marrons, o sargaço como chamam aqui na Paraíba. Há conchas, fragmentos de folhas, restos de lixo deixados pela espuma do mar. Uma boneca sem as pernas e os braços, uma chuteira azul, pé direito, tamanho 43, penso eu, uma garrafa de plástico preta retorcida. As formações marítimas incrustadas nela revelam o tempo em que esteve imersa na água salgada, aguardando a decomposição. O mar esgotou seus esforços e cuspiu ela de volta, devolvendo-a para nós.

Mais a frente há uma grande tartaruga morta por algum lixo, agonizou subindo rumo à areia, antes de desovar nas águas quentes, impedida de terminar o seu ciclo natural de vida. A imagem me choca e me atrai. Tiro algumas fotos me sentindo triste pelo contraste da vida. Estou em uma das mais belas e paradisíacas praias em que já estive mas é o imperativo da morte e do lixo que detém a minha atenção.

Os pescadores de arrasto estão trabalhando para retirar a quarta rede do dia que foi lançada ao mar. São três jovens, magros e negros, com uma cinta amarrada na cintura que puxam a corda, pelo próprio esforço, em direção ao continente. O do meio usa um cajado feito do galho de alguma árvore, para se estabilizar em pé. Os outros puxam a corda caminhando com os corpos completamente envergados em direção ao solo, tentativa de otimizar o torque no exercício da força dos braços. Um esforço hercúleo, admito. A corda oscila entre tensão e frouxidão, enquanto, num trabalho de formiguinha, os pescadores vão contraindo os músculos sob a pele suada e queimada pelo sol , vencendo os centímetros da corda, conseguindo lentamente arrastar a rede em direção à areia. 

Há um técnica ali, um saber investido. Um trabalho de equipe. Um quarto homem enrola a quantidade de corda que vai ficando pela areia e, periodicamente, alterna de lugar com os outros, para lhes proporcionar algum descanso. Paro e observo de longe o ofício daqueles homens, imaginando, pela força feita, uma rede trazendo uma baleia, um tubarão ou coisa parecida.  

O ciclo continua até que a boia sinaliza que a rede está por perto. Muitos homens se juntam na orla e, ao mesmo que retiram gradualmente a rede do mar, chacoalhando-a e dobrando sobre si mesma. Eu ansiosa por saber o que foi pescado, não vejo nada além de folhas, sargaço e piabas. Quando a rede sai toda das águas, ela é levada até a orla e revirada, seu conteúdo é despejado na areia. Não há baleia, tubarão, nem ao menos peixes maiores, como imaginei.

Ali, mulheres e crianças pequenas se juntam ao grupo, selecionando o material que será vendido. Nesse momento vejo que o que interessa são os camarões, que brilham ao quando os raios de sol batem nas suas cascas. Vinte e cinco reais o quilo. Aquele camarão será vendido por 25 reais o quilo, alguém me diz. Não compensa, meu deus, é muito esforço, penso em silêncio. Vou embora pensativa sobre a pobreza, sobre a falta de oportunidades de trabalho, sobre a mais valia e a exploração do trabalho.

É uma realidade muito distante da que eu vivo, na cidade grande, sem mar. Coincidência ou não, estou na Paraíba para um congresso internacional sobre o Trabalho, onde palestrantes internacionais falarão sobre home office e trabalho na pandemia, sobre as reformas administrativas e previdenciária, sobre a precarização e alienação no trabalho e outras formas de apropriação concretas e simbólicas sobre o trabalho. 

Tomara que as próximas marés e as próximas redes tragam esperança e justiça social.

*
Curta: Facebook / Instagram
Daniela Piroli Cabral

Share
Published by
Daniela Piroli Cabral

Recent Posts

Ainda pouca mas bendita chuva

Eduardo de Ávila Depois de cinco meses sem uma gota de água vinda do céu,…

3 horas ago

A vida pelo retrovisor

Silvia Ribeiro Tenho a sensação de estar vendo a vida pelo retrovisor. O tempo passa…

1 dia ago

É preciso comemorar

Mário Sérgio No dia 24 de outubro, quinta-feira, foi comemorado o Dia Mundial de Combate…

2 dias ago

Mãe

Rosangela Maluf Ah, bem que você poderia ter ficado mais um pouco; só um pouquinho…

2 dias ago

Calma que vai piorar

Tadeu Duarte tadeu.ufmg@gmail.com Depois que publiquei dois textos com a seleção de manchetes que escandalizam…

3 dias ago

Mercados Tailandeses

Wander Aguiar Para nós, brasileiros, a Tailândia geralmente está associada às suas praias de águas…

4 dias ago