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Genipapo e a esperança de acreditar

Raniere Sabará

Genipapo toda manhã caminhava pelo chão de terra batida até o poço do semiárido do sertão. Buscava água para se alimentar. Em pouca água que havia, Genipapo se banhava em meio a seca daquela manhã. Acendia seu primeiro cachimbo do dia. Na presença da fumaça do fumo de rapé, Genipapo coava o café e saia em busca de seu ganha pão. Trabalho árduo.

Genipapo gostava de cantar para passar o tempo. Em meio ao pouco tempo que havia no descanso da colheita, cantarolava e escrevia poesias que tocavam o coração das meninas mais belas da cidade. Naquele vilarejo, Genipapo via amor. O silêncio o encantava. Solitude. Um vilarejo tão esquecido pelas cidades que começavam a ganhar forma com a industrialização, era onde seus pés tinham a melhor firmeza de esperançar a alegria da vida. Até as folhas secas que caiam das árvores sem vida, trazia-o um sentido de viver.

Em toda sexta-feira, a bacia de São Francisco se enchia de saudade. O acarajé requentado feito a mão, era o inicio da festividade da padroeira de São Jorge. Genipapo era devoto. Pela dança, agradecia e correspondia as preces feitas na capela de São Sebastião. Pelo corpo, movimentava os músculos de uma maneira circular onde os pés era o que o deixava preso ao chão. Realidade. Via na dança a porta da liberdade.

Naquela sexta-feira havia um pequeno escrito rabiscado na porta da capela que dizia: “Brasil: Ame-o ou deixe-o”. A tensão tomava conta das cidades exiladas pela política. Genipapo não sabia. Desacreditado com que lia, Genipapo pensou:

“Como posso deixar aquilo que um dia me deu esperanças para viver? Como posso deixar as plantas que necessitam do meu cuidado para doar o ar que respiro? Como posso deixar e perder as cachoeiras que me banham na imensidão? Como posso deixar o meu trabalho que leva os alimentos para cada mesa que assenta? Como partir sem me despedir da terra que durante todos esses anos foi minha companheira, a única que me estendeu a mão?”

Mas, Genipapo não sabia, que do outro lado não havia amor pela vida da nação. O amor estava somente onde o poder não podia alcançar. Na simplicidade das coisas. Genipapo dizia que enquanto eles se batiam, deveríamos retribuir em forma de anistia. Quem sabe, talvez, caminhar para ouvir apenas quem já dizia para não se assustar quando disser que dias melhores virão, apesar de você.

E no final das contas, Genipapo tinha razão, porquê, Genipapo era o próprio amor.

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