O maquinista da Vale apitava insistentemente naquele mesmo local, independente da hora e do dia. Nada de regra de segurança, apenas mania, vício, exagero no aviso de chegada. Era um desnecessário apito longo e estridente que incomodava todo o bairro, principalmente aquele mecânico que não tinha hora certa para dormir de tanto que rebocava carros.
O mecânico descobriu o endereço do maquinista, certificou-se de que ele estava em casa, estacionou seu caminhão na porta à meia-noite e, de cinco em cinco minutos, abriu a buzina.
Menos de meia hora depois o maquinista abriu a porta da rua e gritou perguntando que bagunça era aquela.
– É a mesma bagunça que você faz na porta da minha casa todo dia que passa com aquele trem de ferro, respondeu o mecânico.
Até hoje ninguém mais ouviu o apito do trem.
O cara vivia uma má fase, quebrando galho daqui e dali, nadando contra a maré para buscar um lugar ao sol num mundo de muitas dificuldades e poucas oportunidades.
A sorte lhe sorriu já no final do ano passado quando, mais por acaso do que por consequência, se viu envolvido numa campanha eleitoral. O candidato foi eleito e ele, numa dessas situações em que o destino nos envolve, se viu nomeado secretário do dia para a noite.
Viu o poder ser colocado em suas mãos de uma hora para outra, tinha recursos à sua disposição, secretária, muita gente para ser mandada e a ele obedecida.
Enfiou os pés pelas mãos, virou chefe, avançou na lua como se fosse queijo.
Foi o primeiro a ser demitido mal o governo havia começado. Esqueceram de lhe avisar que o cargo era eventual, passageiro, de livre nomeação ou exoneração. Ainda não conseguiu entender o que aconteceu e mal se deu conta de que o ilusório poder lhe havia subido à cabeça.
Agora está ali na esquina esperando a poeira abaixar para voltar a viver a má fase, quebrando galho daqui e dali, nadando contra a maré e buscando lugar ao sol num mundo de muitas dificuldades e poucas oportunidades.
Ele não pagava ninguém. Sem crédito, endividou a mulher na praça. Mal educado e grosso, puxava saco de quem lhe interessava e elogiava quem lhe convinha, mas tratava com ignorância quem não lhe colocava vinténs de graça nos bolsos ou discordava de suas teorias de quintal.
Ainda assim se julgava o bam-bam-bam, o rei da bala chita, a última bolacha do pacote, a azeitona da empada ou a cereja do bolo. Apontava o dedo pra todo mundo e partia pra briga se alguém não gostasse – nem mesmo – de seu penteado.
Achava-se o paladino da moral e dos bons costumes, dono do passado, ombudsman do presente e fiador do futuro. No entanto, há muito detestava o trabalho, travestido que ficou de oportunista e aproveitador.
Quando morreu era só casca. Já não existia há muito tempo e não valia nem seu passado. Foi-se sem saber que morreu mesmo continuando vivo, vítima de sua arrogância e do faz de conta em que transformou sua vida.
Deu adeus curtindo aplausos que não existiam mais e se curvou orgulhoso até que o peso da consciência o obrigou a uma cambalhota sem volta. Ali jaz. Quem? Ninguém mais se lembra.
Mário Sérgio Todos os preparativos, naquele sábado, pareciam exigir mais concentração de esforço. Afinal, havia…
Rosangela Maluf Gostei sim, quando era ainda criança e a magia das festas natalinas me…
Tadeu Duarte tadeu.ufmg@gmail.com Com a proximidade do Natal e festas de fim de ano, já…
Peter Rossi Me pego, por curiosidade pura, pensando como as cores influenciam a nossa vida.…
Wander Aguiar Finalizando minha aventura pelo Caminho de Santiago, decidi parar em Luxemburgo antes de…
Como é bom ir se transformando na gente. Assumir a própria esquisitice. Sair do armário…