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Meu corpo é político

Raniere Sabará

Vivemos em sociedade. Criamos e damos significados as múltiplas formas do bem viver. Formamos pactos sociais diversos para estabelecer o sentido da vida. Espiritual. Carnal. Tempo. Ilusão. Poder. Assalariamento. Pelo último, criamos o significado de casa. Segundo lar. Passamos a maior parte do tempo nesse recinto.

Nele, se encontra os dois lados da moeda: a utopia ou o vazio.

Capital. Capitalismo. Sinônimo de existência, sobrevivência e autodestruição. Se o próprio sistema carrega o simbolismo da aniquilação, cabe a nós fazer do trabalho uma forma de ao menos sonharmos com dias melhores. O próprio sistema acelerou a cronologia do tempo e grande parte desse tempo se passa nos postos de trabalho como forma de sobreviver. Linhagem numérica de produção em forma de corpos humanos.

Há um paradoxo que se conecta: Do latim, trabalho deriva de “tripalium”. tri- três, palium- madeira, instrumento usado para tortura em corpos pretos e pobres. Ressignificação das atividades produtivas. Trazendo para linguagem Brasileira, trabalhar significa “Fazer ou preparar algo para determinado fim”. Mas o que será que estamos cultivando? Qual fim queremos chegar? Dinheiro? Matéria? Reputação? Tortura ou desgaste em forma de realização pessoal?

São tantas perguntas que – eu mesma sei – não terão respostas. Às vezes, me pego pensando e o coração palpita pela frustação. Gostaria de ser e viver tantas coisas, mas, ao mesmo tempo, não sou nada. Caio na efêmera linhagem dos números, mas, não me calo. Reluto. Meu corpo é político. Vou percorrendo a cada esquina em busca de caminhos para desanuviar minha frustação e fincar os pés no significado que dei a minha casa. Trabalho. Cuidar. Corromper a violência pela educação. Ideologia. Revolução.

Se considerarmos o trabalho enquanto nosso segundo lar, deveríamos buscar espaços de acolhimento, pertencimento. Digo, talvez, emancipação.

Mas não há emancipação em algo que é tangível e que se transforma em mercadoria, valores de troca. O trabalho que buscamos por dias melhores, encontra-se somente no valor de uso da coisa.

Os meus inimigos estão no poder e debater contra o poder que nos rege, tem um preço. Esse preço não tem medida de valor. Há somente uma medida: A liberdade. Usar o trabalho como liberdade de escolha, de cuidado. Se libertar da ambiguidade entre o bem e o mal que debruça nas cidades. Liberdade de criação. Realização. Amparo para a classe a margem do capital. Ser, de fato, social.

E, cabe a nós: esse lar não pode ser uma casa sem moldura. Quebradiça. Estribeira. Sem rumo e direção. Um corpo no mar que luta para não se afogar. Se a construção do trabalho-tempo-capital for somente um meio de subsistir, não terá estrutura que firmará essa casa quando a tempestade chegar.

Não há liberdade no trabalho que nos prende. Corrompe a moral. Aliena.

E se não há trabalho, não há vida.

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