Sabe-se que o equilíbrio é a chave para a higidez de qualquer sistema, seja ele micro (nosso corpo e alma, nossas finanças, nosso lar) ou macro (nosso bairro, nossa cidade, nosso país). O Brasil, todavia, tem a mesma capacidade de se equilibrar que um bêbado com labirintite sobre a corda bamba.

Dois foram os últimos episódios que escancaram os passos desequilibrados de um país coxo: de um lado, a completa ausência do Estado, que permitiu o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, no Amazonas; de outro, a presença exacerbada desse mesmo Estado, que criou barreiras para que uma criança, vítima de estupro, se submetesse ao procedimento de aborto a que tinha direito assegurado por lei.

O primeiro caso é o símbolo de uma terra dominada pelo crime. Curioso é que o Estado não alcança os grotões da floresta e as regiões mais distantes do Norte do Brasil, enquanto narcotraficantes, garimpeiros e madeireiros não encontram dificuldades em acessar esses recônditos. Não é impossível suspeitar que tenhamos um presidente conivente com os crimes praticados nas brumas da floresta. Daí o desaparelhamento de órgãos públicos essenciais à proteção do bioma e dos povos indígenas, como ICMBio, Funai, Ibama. Não é que o Estado não alcança aquela região, o Estado se retira dela. São constatações distintas, cujos efeitos são igualmente desastrosos.

Já o segundo caso, por sua vez, se trata de uma intromissão exagerada, indevida e, sobretudo, ilegal por parte do Estado. Não se pode admitir que o Estado-juiz, contaminado por convicções ideológicas, imponha sobre uma criança jurisdicionada a sua vontade, negando-lhe direito assegurado pela própria lei que criou e, não satisfeito, praticando tortura psicológica: “quer escolher o nome do bebê?”.

Ora, não há margem para se discutir se uma criança grávida, vítima de estupro, tem ou não direito ao aborto legal. A lei, ao prever as exceções em que se admite a interrupção da gravidez, é categórica: gestação resultante de estupro ou risco de vida para a gestante. A criança em questão se encaixava nas duas hipóteses, mas o Estado, invasivo como cateteres espetados em todo o corpo, não se contentou: “você suportaria ficar mais um pouquinho?”.

São sintomas de um desequilíbrio nefasto. O Estado marca presença onde não deve e se ausenta onde deveria marcar.

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Guilherme Scarpellini

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