(texto original publicado em 10 de junho de 2020).
“Não negocie com o mal. Jamais concorde, seja por pena, chantagem ou por qualquer outro motivo, em ajudar um psicopata a ocultar o seu verdadeiro caráter” (SILVA, 2008).
Há muito tempo queria ter escrito sobre perversão, motivada pela percepção de que parte dos sofrimentos da clínica estão relacionados a traços de comportamento que poderiam ser classificados nesta estrutura. Como bem descrito por Ana Beatriz Barbosa Silva, no livro “Mentes Perigosas”, o psicopata mora ao lado.
Eles estão por aí, transitando de um lado ao outro. Trabalham, se relacionam, se casam, se tornam pais, governam, mas, com frequência, há um rastro de sofrimento deixado naqueles que cruzam o seu caminho. E, no divã, há muito choro. Choro e, às vezes, paralisação.
Sem querer fazer generalizações, é como se o término de um relacionamento com uma pessoa de traços perversos deixasse um questionamento carente de simbolização. Da parte que sente, sempre resta a angústia, baixa auto-estima e questionamento sobre a verdade do que foi vivido, que, em última análise, é um questionamento sobre a verdade do afeto.
Isso porque a estrutura psicanalítica da perversão caracteriza-se pela ausência do sentimento de culpa, de vergonha e de inibição. “Não sou coveiro”. Na perversão, não há empatia ou qualquer tipo de afeto, a não ser com fins de controle e de manipulação. Há um completo desconhecimento do que se passa no campo do outro. Há indiferença. “E daí?”. O perverso mente com tanta convicção que chega a parecer autêntico. Mas até o seu lamento é sem emoção, protocolar.
O perverso recusa a realidade e a transforma de acordo com o seu próprio desejo. “Afinal, sou atleta.” E, neste processo peculiar de gozo, envolve outras pessoas e as transforma em objetos de uso para seu ganho pessoal de poder, status ou mesmo pura diversão.
O que percebo agora é que o sofrimento provocado pelo discurso da perversão, antes restrito à clínica, hoje extrapola e invade o tecido social. A ausência de comunicação mediada e de certo constrangimento em colocar em palavras o que se pensa nunca fez tanta devastação no coletivo. Claro, o individual e o social são aspectos indissociáveis, mas, no meio dessa pandemia, o discurso de ódio potencializa no todo o já inevitável sofrimento provocado pelo vírus. Eles não trazem esperança, conforto, credibilidade, confiança. Nada. Eles espalham o medo, a tristeza e o desamparo.
Todo perverso, cedo ou tarde, é pego na própria mentira ou é traído pelo próprio jogo de sedução. Mas, enquanto isso não acontece, tomemos o cuidado de não repetir, banalizar e legitimar esses discursos no nosso cotidiano. O discurso sempre é endereçado ao outro e, portanto, sempre uma forma de laço social. Questionarmos sobre a forma de apresentação dele, é, também, questionarmos sobre a forma de sociabilidade que estamos construindo no coletivo.
Ah, claro, “todos nós iremos morrer um dia”, mas quem precisa morrer antes de todos é o próprio discurso de ódio.
– SILVA, A. B.B. Mentes Perigosas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
– RODINESCO, E.; PLON. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
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