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Viva o Vasco da Gama

Márcio Magno Passos

Alfredo se casara duas vezes e se divorciara também duas. Decepção parcial e trauma doentio. Decidiu que jamais se casaria de novo. Isto foi há três anos. Agora o “nunca mais eu caso” se transformara em “estou pensando”. É a fase do não ao radicalismo. Não diz que não e muito menos que sim.

Acontece que o tempo passou e Alfredo estava se sentindo muito sozinho. Tinha namorada, era público e notório, mas era diferente. Acostumara dormir junto, relando coxas, adorando o calor do início da noite e rejeitando o mau hálito da manhã. Faltava o papo de toda hora, a cumplicidade de todos os momentos, as dificuldades divididas, os sonhos somados e divididos. O pior era a briga diária e repetitiva, as cobranças, os vícios, a monotonia da rotina.

Alfredo já sabia que queria se casar pela terceira vez. Ele podia enganar a todo mundo, menos a ele mesmo. Mais do que a dúvida de casar ou comprar uma bicicleta, era a solidão que o incomodava. Alfredo foi para a rua. Queria jantar fora para arejar a cabeça e distrair o pensamento.

Entrou no melhor “bar e restaurante” da cidade. Pediu uma cerveja e puxou o zoom da memória para confirmar a imagem sorridente da amada. Era amor puro e da mais alta qualidade; só faltava casar e ser feliz para sempre. Virou-se para o garçom e perguntou se ele era casado.

– Sou amigado há mais de sete anos.

– Alfredo perguntou por que o garçom era amigado e não casado.

– Você tá é doido; casar eu não caso não. Estou feliz pra caramba com minha mulher e os dois filhos.

Alfredo cobrou que com sete anos de companheirismo e dois filhos era hora de transformar tudo em casamento. O garçom liberou uma gargalhada e saltou de banda.

– Está tudo uma maravilha, pra que eu vou casar e atrapalhar tudo?

O garçom saiu e o dono do restaurante se aproximou.

– O garçom é bom, mas é conversado, né?

Alfredo percebeu que a intenção do dono era agradar e decidiu não prejudicar o simpático garçom.

– Que nada; ele estava me contando que é amigado há sete anos, tem dois filhos e que não casa para não atrapalhar tudo.

– Ele tem razão – garantiu o patrão.

– E você acha? – perguntou Alfredo.

– Claro. Preste atenção no que vou te contar. Tinha uma cozinheira aqui que ficou amigada durante dez anos e teve quatro filhos. Tudo no maior amor e melhor relacionamento. E não é que na festa do décimo aniversário ela resolveu se casar com o companheiro? Com cerimônia, documentos, convidados e recepção!

– E aí? – perguntou Alfredo já desconfiado.

– O casamento durou três meses e separaram no litigioso. Hoje, nem conversam mais.

Alfredo pediu a conta e voltou para seu quarto solitário. E adorou a vitória do Vasco sobre aquele time do Equador. E olhe que nem vascaíno ele era…

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