Tais Civitarese

Carlos é advogado, tem dois filhos e alguns cabelos brancos. Tirou a OAB de primeira, trabalha em um importante escritório na cidade, especializou-se em direito de família.

Aos quarenta e poucos anos, já comprou sua casa. Construiu uma respeitável carreira e passa quase todas as férias de frente para o mar.

De vez em quando, é chamado para dar palestras em que discorre com propriedade sobre os benefícios da conciliação amistosa e da guarda dos filhos compartilhada. Já escreveu vários artigos sobre o tema e até um capítulo de livro. Umas duas ou três vezes, também foi parar na coluna social.

Os filhos de Carlos estudam no mesmo colégio em que ele estudou quando criança. Ele não tem um sobrenome marcante, mas os meninos são sua cara e praticamente repetem o seu percurso. Carlinhos, o mais velho, só tira total. Eduardo, o caçula, também vai muito bem.

No último boletim, a nota de Carlinhos ficou abaixo da média em matemática. Anteriormente, aquela era sua melhor matéria. Todo mundo estranhou. A mãe não se lembrava de ter visto nenhuma nota vermelha nas provas que o menino trouxe para casa. Tampouco a professora particular.

Carlos resolveu agendar uma reunião com a professora. Aquilo deveria ter sido um erro.

Na data da reunião, foi direto do escritório, ainda de terno e gravata. Seu sapato lustroso mal lembrava o conguinha de lona que um dia calçou naquele mesmo chão. Levou a pasta com notebook dentro. Havendo atraso, aproveitaria para trabalhar.

Dona Renée não se atrasou. Entrou na sala na hora marcada e o cumprimentou com um aperto de mão.

Ao vê-la, a voz de Carlos embargou. Deu um “boa tarde” vacilante, que soou bem pouco natural. Limpou a garganta para retomar a compostura, mas acabou revelando uma certa gagueira tratada na fono muitos anos atrás.

Magrinha, bem arrumada, de voz firme e séria, dona René perguntou qual era o problema. Com fala titubeante que mal lembrava o respeitável doutor Carlos, ele explicou a situação. Ela conferiu no livro de anotações, reconheceu o erro e se desculpou. Iria corrigir a nota de Carlinhos. Despediu-se com o mesmo semblante honrado com que chegou e retornou para suas atividades no colégio.

Carlos saiu da reunião ainda um pouco trêmulo. Porém, com a agradável sensação de ter cumprido o seu dever. Sentia-se estranho, leve, meio com uma alma de menino. Um pouco emocionado como naqueles dias em que era escolhido para apagar o quadro. Ou para ler, em voz alta, uma questão do caderno. Aquela mulher lhe parecera tão grande, maior que um juiz. Maior do que todo o sistema de leis. Ela era uma mistura de ídolo, entidade, guia e referência. Era também quem o havia ajudado a chegar até ali. Alguém que reunia em si grande parte do manual da vida. Ela era a professora.

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