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A performance dos sentimentos

Uma moça que conheço foi assaltada com arma e tudo. Levaram seu carro e computador onde estava todo um roteiro que ela havia recentemente escrito. Ela, bastante politizada, diz publicamente que compreende a situação social do país e que não sente raiva do ladrão. Ela também é mãe e parece amar a vida. Eu fico pensando até que ponto nossa envergadura política conseguiria influenciar nossas reações mais primitivas pela sobrevivência. Será mesmo possível não sentir ao menos um pouco de raiva em uma situação assim? Será difícil admitir que se gostava daqueles bens materiais e que lamenta o susto, o medo, a perda de várias horas de trabalho, ainda que se reconheça a estrutura social perniciosa em que vivemos?

Um amigo diz que agradece as coisas horríveis que passou quando mais jovem. Diz que foi ótimo ter passado por privações e violências, por ele ser quem é hoje. A meu ver, o fato de se conseguir tirar proveitosas lições das coisas ruins que enfrentamos não as tornam boas. Continuam sendo todas elas uma bela porcaria. Não é porque alguém superou dificuldades que elas se tornam inspiradoras motivações. Seria melhor que não tivessem acontecido. Ou não?

Seriam esses alguns sintomas da positividade tóxica?

Por que é tão difícil admitir que “deu ruim”?

Fernando Pessoa, em seu “Poema em linha reta” dizia que nunca conhecera quem tivesse levado porrada. Seus conhecidos eram campeões em tudo, quiçá semideuses. E perguntava: “onde é que há gente (comum) no mundo?”

Desconfio de que a “gente comum” anda por aí se revestindo de elaborações complexas e nobres para coisas simples. A gente comum está muitas vezes exercendo a teatralidade de superação e força, porque o mundo exige isso. Não há muito espaço para os raivosos, revoltados e tristes. Só que os sentimentos vis, infames e ridículos, como também diria o Fernando, não desaparecem se a gente os disfarça com outros nomes. E menos ainda se fingimos que eles não existem…

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Tais Civitarese

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  • Tenho a impressão de que para muitas pessoas há o “eu” verdadeiro, humano, real que sofre, pragueja, descabela e a persona para consumo externo. Esta última, sempre articulada, politicamente correta (afff), cheia de virtudes, imbuída de causas nobres e de consciência social. Entre essas duas o ser tenta se equilibrar e, sem saber quem é, perde a si mesmo.

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