De tanto ficar isolada em casa, naquela manhã resolvo sair. Caminhar a pé, bater perna. Sem rumo e sem destino certo. Desço até a Savassi. Levo uma pequena lista de coisinhas que preciso da Granel. Loja vazia, pouca gente. Meu vendedor preferido, sorridente e disponível. Não levo mais que vinte minutos.
Pego a sacolinha laranja e vou procurar por pequenas coisas, em uma outra loja, perto dali: tampa pro tanque, outro desentupidor de pia, porta panelas de madeira mais bonitinhos pois os meus estão horrorosos. Um garfo grande, em inox. Novos prendedores de roupa e spray para o banheiro, cheirinho de bambú, muito bom.
Também sou atendida rapidamente e esta loja, assim como as outras, encontra-se vazia. Os vendedores, todos, concentradíssimos em seus celulares, lógico. Pago, subo a escadinha e pego a Getúlio Vargas. Ouço alguém me chamar. Apelido de infância. Viro-me procurando a voz. São duas vozes. Irmãs, conterrâneas, lá de Monlevade City. Abri o maior dos meus sorrisos.
Retiramos as máscaras, mas mantivemos o distanciamento. Bom revê-las. Enquanto colocamos algumas informações em dia, sorrio e, com toda atenção, olho pra elas. Tento recordar, com detalhes como eram exatamente há quarenta anos.
Lembro-me então de uma teoria que tenho, desde sempre e não há quem não me dê razão: ao envelhecer, a pessoa que, quando jovem, foi feia ou muito feia, só fica velha, só isto. Por outro lado, aquelas pessoas que foram bonitas ou muito bonitas, ficam feias, muito feias e além disso, velhas, muito velhas. (Risos).
Basta lembrar as fotos recentes do Alain Delon & Jean Paul Belmondo! O Belmondo sempre foi um homem feio. Charmoso, é verdade, mas muito feio. Alain Delon era mais do que lindo. Um homem de uma beleza estonteante. Rosto perfeito, uns olhos verdes apaixonantes, um sorriso sedutor que encantou moçoilas de várias gerações. Pois bem, o tempo (implacável) passou igualmente para os dois: Belmondo continua feio como sempre foi, apenas envelheceu: cabelos brancos, rugas, um pouco mais gordo e só!
O pobre do Delon virou um caco: envelheceu também, mas ficou tão ou mais feio que o Belmondo. Enrugou absurdamente. Os belos olhos sumiram. A boca linda não existe mais. Apenas uma linha fina foi o que sobrou daqueles lábios maravilhosos, que todas nós sonhamos um dia, beijar! Comentei com algumas amigas e elas me deram toda razão.
Voltando ao meu encontro: as duas irmãs nunca foram “nenhuma beleza”, mas também não eram feias. Nem altas, nem baixas. Nem atraentes, nem desinteressantes. Nem simpáticas, nem antipáticas, mas muito falantes, as duas. Tinham, àquela época, fama de fofoqueiras, adoravam um disse-me-disse. Não sei por quanto tempo ficamos ali, conversando, perguntando pelos conhecidos em comum, lamentando a morte de vários deles, até que uma delas sugeriu um café e lá fomos nós.
Sentada mais próximo delas, prestei muita atenção aos rostos das duas. Se não eram muito parecidas, encontravam-se agora quase iguais. Muito piores do que eram antes. Um semblante artificial, esticado, desconectado da idade delas. Entre os setenta e os oitenta? Talvez…
Foi bastante divertido e cheguei em casa, direto pro banho. Pijaminha, lanchinho rápido, um cafezinho. Telejornal, pedaço de uma novela… e foi então que me dei conta: pessoas normais, pessoas comuns, idosos ou muito idosos, vendedoras e funcionárias de loja, apresentadores de programas na TV, atores e atrizes, cantores e cantoras, jornalistas, repórteres, políticos, padres, pastores, pessoal do esporte e pessoas comuns, com quem a gente convive diariamente. Rigorosamente, todos eles muito parecidos.
A testa parece ter sido encerada. Esticada e brilhosa nem de longe demonstra qualquer sinal de preocupação ou surpresa. Toda e qualquer expressão facial, definitivamente apagada. Rugas, não há. Preenchimentos em cada cantinho indesejável. Basta olhar pro lado ou pra TV e lá estão elas: testas impecavelmente lisas, frias, sem nenhum sentimento ou emoção.
Os olhos já foram mexidos, suspensos, esticados. Plásticas, botox, preenchimentos e não sei mais o quê. Nas mulheres a sobrancelha é, invariavelmente, micropigmentada ou definida por outros métodos. Quando bem feita, ajuda sim. Há resultados muito bons. Mas existem exageros semelhantes às antigas máscaras de carnaval.
As bochechas parecem ter sido moldadas sobre uma bola de ping-pong. Ao sorrir, as próteses se incham e mais parecem dois balõezinhos. Todos os rostos parecidos, com aquelas bolinhas que não ajudam em nada.
A harmonização facial retira as particularidades tornando todos semelhantes, e mais feios, eu acho. Homens têm procurado este serviço também, e do que vi até agora, são raros os que ficaram bem. Mas…
Todo mundo agora tem os dentes branquinhos. Retinhos. Nem uma pontinha que os torne diferentes, uns dos outros. Sorrisos iguais. Clarinhos demais. Certinhos demais e, quase sempre, deixando uma impressão de “dentuços”.
Entretanto, o pior são os lábios: inflados, inchados, exageradamente gordos, às vezes em total desarmonia com o resto do rosto. O lábio superior é esticado – desconheço o nome do procedimento – mas é, de longe, o pior deles. Fico me perguntando se, ao olhar no espelho, a pessoa se convence de que está mesmo melhor do que estava antes.
Morro de vontade, mas não citarei nomes. Desde uma belíssima atriz italiana, passando por incontáveis atrizes, jornalistas, pessoas comuns, até chegar às duas irmãs, diante de mim, feiamente plastificadas, mas felizes com a aparência “mais jovem”.
Nada contra uma “mãozinha” para ajudar a mãe natureza. É muito bom que cada um procure sentir-se melhor consigo mesmo. Uma pessoa melhor, mais bonita e mais feliz, mas sem o exagero que deforma, despersonaliza, simulando uma juventude que, todos já sabem, não voltará jamais.
Mas, cada um sabe de si. Se a velhinha deformada se olha no espelho e se sente uma atriz de novela, que bom!
E se é assim, então tá…
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