“De fato, existem tantos caminhos quanto seres humanos” (Gandhi, p. 45, 2020)
Este era para ser um texto sobre o meu processo de parar de comer carne, coisa que eu não faço há mais de dois anos, mas acabou virando um texto sobre como eu virei a maior paga língua da história. Sim, eu sou a rainha de criticar coisas que não faria e logo depois estou fazendo. E não demora muito…
Estou dizendo isso tudo porque um dos maiores micos que eu já paguei aconteceu na festa de casamento do meu irmão, quando eu ainda era carnívora. Meu irmão já era vegetariano há muitos anos e, como um bom anfitrião e defensor da causa, providenciou um menu vegetariano a parte para a sua festa, realizada num sítio no interior de Minas Gerais.
O grande problema aconteceu que os tais salgadinhos vegetarianos chegaram atrasados, na hora do cortejo entrar. Eu, que era madrinha, e estava ansiosa, de braços dados com um amigo dele, pronta para cumprir distintamente o papel zelar pelo amor e pela harmonia do casal, fiquei brava com o atraso e soltei em voz alta me referindo aos vegetarianos:
– Nossa, nem em casamento eles abrem exceção.
Impossível imaginar a cor que fiquei (vermelha, amarela, roxa, transparente) quando o padrinho que formava par comigo volta-se para mim e diz:
– Acho que o menu vegetariano é para mim.
Quis cavar um buraco ali na grama mesmo e enfiar não só o rosto mais o corpo todo e desaparecer. Quis desenlaçar os braços unidos pelos cotovelos, naquela intimidade forçada. Acho que ele deve ter desejado não só desmanchar os braços mas me isolar ao infinito com um pontapé daqueles. Mas sustentamos os sorrisos e permanecemos ali, impávidos e elegantes, no firme propósito de abençoar os pombinhos.
Desculpe-me em seguida, de num gesto sem graça e sem jeito, na certeza que era impossível reparar meu erro e a imagem desprezível e miserável do ser fui naquele momento. Na festa, algumas cervejas e o som do rock’n roll criaram um cenário de descontração favorável a uma aproximação amistosa na qual eu, meu irmão e o padrinho pudemos brincar com o constrangimento.
Alguns anos mais tarde, após assistir ao documentário “Carne e Osso” e estudar sobre o tema entendendo os impactos nocivos, injustos e degradantes dos modo de produção atuais para os animais, para os trabalhadores da indústria frigorífica, para o meio ambiente, para a nossa saúde e para a sustentabilidade social, passei a me abster da carne.
A gente não pode prever o futuro e as mudanças são inevitáveis. Mas é muito menos desastroso mudar calado, de boca fechada.
Referências:
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