Talvez a palavra mais correta seja privada ou mesmo banheiro. Ou até o americanizado WC. Optei por latrina, por estar mais próximo ao gosto literário em questão. Desde criança, sempre me chamou a atenção o gosto popular dos brasileiros pela literatura de latrina nos banheiros públicos.
Na escola fundamental, ainda na pré-adolescência, era nos banheiros que ficávamos sabendo quem era veado (naquela época não existia ainda o termo gay), quem colava nas provas, quem andou beijando quem e qual era a cor da calcinha da professora. Não sobrava espaço nas portas dos banheiros. Uns escreviam com caneta ou lápis, outros com canivete, giz de cera ou batom. No banheiro das meninas, era um desfile de elogios e reclamações aos galãs das salas de aula. E pintava de tudo. Até desmoralização de iniciados e entendidos. Já vi menino mudando de escola para recuperar a autoestima, pois fora esculhambado pela literatura de latrina.
O hábito de escrever bobagens em portas de banheiro não se resumia às escolas. Há poucas décadas, essa era também uma prática constante nos clubes sociais e recreativos da cidade. O disse-me-disse e todas as fofocas acrescidas de muitas mentiras e provocações, tinham espaço garantido nas portas de banheiro. E, invariavelmente, causavam constrangimentos e irritações. Lembro-me de certo baile em um dos clubes da cidade, que mal havia começado e todo o salão fofocava sobre as preferências sexuais de uma conhecida jovem da sociedade, escrachada na porta do banheiro por um abandonado ex-namorado. O clima ficou tão ruim que o baile da jovem acabou mais cedo.
Pior ainda são os banheiros de bares e rodoviárias. O de rodoviária, então, nem se fala. Tem passageiro que tenta contar a viagem toda. E haja imaginação para rimar, no mínimo, com falta de educação. Tem gente que bota até o telefone e o endereço, na maior cara de pau. A maioria, no entanto, é anônima.
Num momento de rara inspiração, Jairo escreveu um poema sujo na porta do banheiro da rodoviária de sua pequena cidade, tornando público o suposto caso amoroso do padre, a corrupção do prefeito, as gorjetas que o delegado recebia e a infidelidade da mulher do juiz. Jairo só se esquecera de que era ajudante de tesoureiro na igreja e que toda a cidade recebia os envelopes de dízimo com sua letra inconfundível. Ele abandonou sua cidadezinha querida sem se despedir, nem mesmo de sua mãe. E nunca mais leu e muito menos escreveu literatura de latrina, que hoje muitos substituem pelos fakes News das redes sociais.
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