Ele parecia usar sapatilhas de pelúcias. O andar macio quase não provocava barulho. Quando dobrou a esquina, o sino da igreja abafava o som da última badalada da meia-noite. Não havia neve nem chaminés. Talvez por isso mesmo, ele vinha a pé, sem trenós e renas. Mas a roupa era larga, folgada, vermelha com detalhes em branco. Na cabeça um gorro nas mesmas cores e, na mão esquerda, uma bengala denunciando a idade e o peso do corpo curvado e do grande saco de brinquedos que trazia às costas.
E pensar que muita gente descrente acha que Papai-Noel não existe! Ali estava ele, em carne e osso, para desmentir os incrédulos. Caminhava devagar, sem pressa, dando a impressão de que dominava o tempo e o espaço, experiência que trazia marcada nas bonitas rugas que davam expressão de força e serenidade em seu rosto. No brilho dos olhos, a luz da esperança por um mundo sempre melhor.
Papai-Noel existe sim. Lá vai ele caminhando pela rua de barracos de lona, chão batido, sem redes de água e esgoto. A pobreza assusta até Papai-Noel. Ele para em frente aos barracos, tentando entender tanta diferença. Por que tanto para poucos e tão pouco para muitos? Questionava para si mesmo sem encontrar a resposta.
O primeiro barraco não tinha portão e muito menos cerca. Também não havia portas e janelas. Era apenas um barraco quadrado, paredes e telhado de plástico preto e mais nada. Uma fresta indicava o que deveria ser a porta. Papai-Noel entra bem devagarinho para não acordar ninguém. Passam-se alguns minutos até que seus olhos se acostumam com a pouca luz. Cozinha, sala e quarto, era tudo um cômodo só. Restos de mingau de fubá no fogão de duas bocas, um velho armário de cozinha sem portas, galão de água turva sobre a mesa de três tamboretes e cerca de meia dúzia de caixas de papelão funcionando como guarda-roupas e baú escondendo o resto do que seria o patrimônio da família. No outro lado, em dois colchonetes de espuma, a família dorme mais uma noite igual a todas as outras, apesar de ser Natal. Pai e mãe se espremem de um lado e o filho ainda criança do outro.
O coração de Papai-Noel contrai-se diante daquela dura realidade da vida. Aproxima-se em busca de marcas de sofrimento naquele rosto infantil. Não as encontra. Não existe expressão, o semblante é indefinido, opaco. Também não existem sinais de tristeza nem de alegria. É uma imagem fria, parece distante, sem esperança.
Tentando aproximar-se um pouquinho mais, Papai-Noel esbarra num par de velhas sandálias de borracha gasta, com um bilhete amarrado nas tiras soltas. Era o pedido com uma letra infantil, cuidadosamente refeita para deixar a mensagem bem clara: “Papai Noel, presente não, eu quero é paz”.
O inesperado assustou o bom velhinho, acostumado a receber pedidos de bonecas, carrinhos e bolas. Papai-Noel afastou-se um pouco, colocou o saco de brinquedos no chão e esticou o corpo para suportar a pressão sobre o coração. A garganta secou e os olhos lacrimejaram, embaçando aquela visão. Ele sabia que aquele pedido de paz nada tinha a ver com guerra de tiros ou violência física. O que incomodava aquela criança era a guerra da injustiça, da exclusão, da miséria moral e material. Ela pedia paz social que lhe garantisse cidadania com dignidade. Apenas isso.
Enquanto Papai-Noel recolocava sobre os ombros o seu velho saco de brinquedos e deixava aquele barraco, lágrimas desciam de seus olhos para molhar de tristeza as longas e bonitas barbas brancas. Aquele presente ele não tinha. Só os homens comuns poderiam atender ao pedido daquela criança. Por isso era tudo tão difícil.
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