É fim de ano e o ano segue girando doido, pra chegar ao fim dele, como se o tempo fosse uma reta. E no fim dessa reta, alguns ganham medalhas, por terem chegado primeiro, por terem ganhado mais dinheiro e alguns louros, que nesse mundo são chamados de sucesso.
Se fosse possível listar os itens da colheita do ano, talvez fosse válido incluir os tropeços, mas também, quantos por do sol contemplados, quantos amigos visitados, quantos consertos de encanamento, quantas longas conversas de telemarketing, quantas vezes saramos de uma doença, quantos picolés chupamos, quantos novos pratos aprendemos, um novo hábito, sustentamos um velho vício.
A vida é um inventário de possibilidades, imprevisibilidades, planejamentos e acasos, rotas e encruzilhadas. Ainda insistimos em tentar controlar tudo. E nos frustramos ao nos depararmos com aquelas metas surreais não cumpridas. Tocar 1 novo instrumento, falar 2 línguas, viajar pra praia, pra montanha, comprar um computador, um celular, ganhar o dobro, emagrecer, produzir x conteúdos semanais.
O que a gente quer nesse dezembro é apenas que todos os compromissos sejam desmarcados e a gente se largue no sofá, não é verdade? Daí vem o réveillon, e do nada, com a força da mulher maravilha, preenchemos o planner em janeiro, com o triplo do que imaginamos que poderíamos ter feito esse ano. Porquá?
Não há espaço para caminhar tranquilamente, apenas tropeçando com as pedrinhas do caminho. É preciso fazer aquele esforço gigante, de mover todas as pedras do lugar e deixar o caminho limpo, asséptico. Acho que essa poderia ser uma metáfora da nossa necessidade absurda de controlar o mundo.
Enquanto isso um novo eclipse se prepara para estrear, criancinhas comemoram em “ebas” uma nova pecinha da construção do castelo, uma agricultora colhe uma batata gorda, um porteiro ganha um peru e os lixeiros colhem pratinhas para seus natais.
O que é que a gente deveria estar colhendo? Algumas pessoas plantaram muitas coisas para que a gente colhesse hoje: tâmaras, cotas, votos, vetos, direitos, inventos… A gente tem sede de colher, mas será que estamos plantando a água? E será que ela floresce tão rápido?
Às vezes imagino o nosso trabalho como o do vento, de ir espalhando semente por aí, sem pretensão e precisão. Às vezes imagino que a nossa missão é uma flecha de fogo, certeira e cabreira. Daí eu me lembro que a terra tá embatumada, seca, arrasada. E que o mestre falou pra pisar levinho, mas temos:
Planos, planos, planos, retas, retas, retas, rodas, rodas, rodas, safras, safras, safras, cifras, cifras, cifras, cofres, cofres, cofres, chifres, chifres, chifres, furos, furos, furos,
o buraco é fundo e,
num susto,
o mundo acaba?
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