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Zé Araninho vai para escola

Reprodução/Pixabay

Faça sol, faça chuva, Zé Araninho vestirá a sua jaqueta preta e calça jeans. Na escola, em dias quentes, todos olharão para ele, como se estivessem diante de um rock star do jardim de infância.

Melhor assim. Afinal de contas, se passar por David Bowie não seria pior do que revelar o seu terrível segredo diante da turma.

Sim, Zé Araninho guardava um segredo, segredíssimo, debaixo da jaqueta preta e da calça jeans. Era ali que ele escondia seus outros dois pares de braços e de pernas. No total, oito patas.

Na intimidade do lar, Zé Araninho esbanjava habilidade sob as oito patas. Corria pelo chão, subia nas paredes e saltava de cima da mesa, sem jamais entrelaçar as pernas.

Mas quando ia para escola, Zé Araninho precisava lutar contra a sua própria natureza. Com a ajuda da mãe, Dona Aranhuda, prendia o excesso de membros junto ao seu corpinho e disfarçava o volume com a jaqueta preta e a calça jeans. Assim ele passava a tarde toda: amarrado.

Mesmo com tanto sofrimento, Zé Araninho não abria mão do disfarce. Ser chamado de chaveirinho de David Bowie era melhor do que ser descoberto como sendo uma aberração de verdade.

No baile da escola, Zé Araninho ficou sem par. Não que o seu disfarce fosse pior do que a realidade. Pelo menos duas meninas mais velhas curtiam o seu estilo excêntrico e, certamente, dançariam com ele. Mas ele temia o pior. Desequilibrar na hora de dançar era o passaporte para o seu pior pesadelo. Esse mesmo receio o deixava de fora do time de futebol, das aulas de educação física e das brincadeiras após a escola.

Certo dia, Zé Araninho resolveu dar um basta! Olhou-se no espelho, reconheceu a si mesmo como um belo menino-aranha e abraçou o seu próprio corpinho com um abraço de oito patas.

Então vestiu a camisa adaptado do uniforme da escola, com quatro saídas para os braços, e uma bermuda com quatro aberturas para as pernas e foi para a escola. Chegando lá, uma surpresa.

Ninguém notou qualquer diferença nele! Todos continuaram o tratando como sempre o fizeram.

Mas Zé Araninho não pôde deixar de notar o enorme par de asas de morcego que saíam das costas do coleguinha sentado à sua frente. Percebeu também uma bela cauda de jacaré por baixo da saia da professora, que se arrastava atrás dela, enquanto ela ia escrevendo na lousa. E na primeira fileira, estava ela: uma linda menina-aranha, com oito patas bem à vista.

Guilherme Scarpellini

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Guilherme Scarpellini
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