Final do século passado. Passando férias de julho comigo, minha filha Viviane se aprontava certa noite para me acompanhar numa visita à fazenda de um amigo, quando perguntou:
– Pai, você acha que eu devo levar minha parca?
– Levar sua o quê? – Perguntei já imaginando que ela pensou uma coisa e falou outra – confusão natural em qualquer computador cerebral com apenas nove anos de uso.
– Minha parca, pai! – Insistiu ela, elevando o tom de voz e quase soletrando todas as letras, já imaginando que o pai está escutando pouco – deficiência natural de qualquer computador cerebral com mais de cinquenta anos de uso.
Sei lá o que é parca! resmunguei constrangido, ao perceber que mais uma vez minha filha caçula ia provar que meus conhecimentos gerais já não eram tão gerais assim. – Parca é isto aqui, ó, – mostrou Viviane, caminhando em minha direção e segurando com as pontas dos dedos um sobretudo (antigo, hein?) com um laço de amarrar na altura da cintura. Era um agasalho bonito e o tecido deve pertencer à família da lã, da flanela ou talvez do feltro, sei lá!
E eu ali de boca aberta, conhecendo a tal parca e minha filha rindo da minha cara:
– Conhecia não, pai? É a última moda!
Viviane voltou ao quarto para terminar sua arrumação com parca e tudo e eu comecei a dar uma volta pelo tempo, nas minhas dificuldades com este negócio de moda. Menino ainda, eu fiquei empolgado quando lançaram a moda da camisa volta ao mundo. Filho de operário com família numerosa, esperei muito tempo para que meu pai equilibrasse as finanças e comprasse meia dúzia de camisas volta ao mundo iguaizinhas, uma para cada um dos seis filhos maiores. No domingo, feliz da vida, vesti aquela camisa branquinha, parecendo mistura de plástico com algodão e fui para a missa das nove, danado de elegante. Surpreso, percebi que ninguém mais na multidão usava camisa volta ao mundo. Pior ainda, ninguém reparava minha camisa volta ao mundo com ares de admiração. Arrisquei comentar com um colega sobre a camisa nova. Ele olhou de soslaio e comentou que a camisa volta ao mundo já estava fora de moda. Acabou meu domingo e a camisa novinha foi para o fundo do baú.
No final dos anos sessenta, meu amigo, China, era o maior vendedor de calças Lee, última moda, importada dos “steites”. Ele trabalhava na loja do Sô Braz, na antiga Praça do Mercado e faturava uma grana ali, vendendo calças Lee para todo mundo que tinha dinheiro, é claro. Eu ficava ali batendo papo, olhando com uma vontade danada de comprar a minha. Mas dinheiro que é bom, não sobrava, apesar de já estar trabalhando. Meses depois, procuro todo sorridente o China e pago à vista, a minha tão sonhada calça Lee. No domingo seguinte, lá fui eu, danado de elegante com minha calça nova fazer sucesso na tradicional hora dançante do saudoso Grêmio. A moda já era outra. Todos usavam a novíssima calça Lewis.
O mesmo aconteceu com as modernas camisas de flanela, com gola alta e mangas compridas, conga, botas com bico de aço e tantos outros modismos que passaram sempre fora do tempo em minha vida. Blusa “banlon” de gola rolê, foi um desastre. A moda chegou para o inverno e fez o maior sucesso. A minha só chegou no verão. E o pior é que eu usei, para espanto geral da galera.
Certa vez vi na televisão o ator Edson Celulari usando uma camisa danada de bonita na novela das oito. Listrada, sem gola, manga comprida, botões devidamente abotoados até o pescoço. É moda, pensei comigo. Mas como tenho pescoço grosso fiquei pensando se ia ficar bem. Na dúvida do compro ou não compro, o tempo foi passando. Um dia, entro na loja e dou de cara com uma camisa sem gola ainda mais bonita que aquela do artista da Rede Globo. Tomei coragem, comprei e usei no dia seguinte. Fez tanto sucesso que na semana que se seguiu, ganhei mais duas. Um mês depois, a novela tinha terminado, a moda passou e minhas três belíssimas camisas listradas e sem gola ficaram lá no fundo do baú, devidamente abotoadas até o pescoço. Não tem jeito. Moda fora do tempo é comigo mesmo. Estou pensando se devo ou não comprar uma parca.
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